Há um galo que todas as madrugadas, com seu canto, deposita em minha mente e meu coração o doce milagre das auroras. Seu som vem dos remotos quintais que ainda resistem no meu bairro, quintais com muros cobertos de heras. Mas o que queria contar é que, dia desses, no acordar tão cedo, fui, de repente, acometido de funda saudade. Saudade dos ladrões. Sim, amigos, dos ladrões de galinhas, furtivos vultos que cobriam com um halo de mistério as sombras dos quintais de antigamente. E que hoje são símbolos da mais cândida honestidade.
Nos meus anos de
repórter de polícia na falecida “Ultima Hora”, de São Paulo, começo dos 60,
cruzava com todo tipo de gente. Certa noite, no plantão do Pátio do Colégio, o
camburão chegou com um prisioneiro. Fazia frio naquela época, frio
pré-aquecimento global. O detido era um sujeito magro, ombros pontudos, bigodinho
honesto. Nós, os jornalistas, cercamos o homem para saber o que ele havia
feito. Meio foca, eu anotava tudo. O sujeito fora preso no quintal de um
casarão no bairro da Bela Vista ao tentar roubar umas galinhas.
- Mas por quê? –
indaguei.
- Para fazer uma
canja – ele respondeu – tenho uma filha doente em casa.
Imediatamente todos
os repórteres que ali estavam se mobilizaram junto ao delegado de plantão; não
apenas conseguimos libertar o meliante, como até o levamos ao mercadão da Baixada
do Glicério. Onde compramos duas robustas penosas, para a tal canja.
De lá para cá os
ladrões de galinhas, estes símbolos da pureza, foram sumindo. A própria palavra
“ladrão” que, acoplada a eles possuía um sentido vocabular meigo, se tornou
áspero com o passar dos anos. Hoje os ladrões podem ser senadores,
ex-senadores, deputados, governadores e ex-governadores, presidentes e
ex-presidentes, isso sem falar em juízes e variados lalaus. Os ladrões de
galinhas viraram, pela modernidade dos assaltos aos bolsos dos contribuintes,
os São Francisco de Assis dos alabastrinos pecados.
Sim, mas eu falava do
romântico galo que canta perto da minha casa, num bairro onde resistem os quintais.
Eu mesmo tenho um, pequeno, é verdade, porém suficiente para os movimentos e os
gestos. Com a súbita saudade que senti dos afanadores de penosas, penso em
colocar umas duas nos meus parcos metros quadrados. Vou cevá-las e esperar. Que
em alguma noite de lua eu seja benzido pela presença, entre os muros, de um
romântico ladrão de galinhas. E se, afinal, tiver a sorte de pegá-lo com a boca
na botija, quero não apenas cumprimentá-lo. Quero doar a ele as aves que,
certamente, estarão gordas, e agradecer por sua presença. Meu Deus, abençoe a
meiga e doce honestidade de um pequeno, romântico meliante de colarinho sujo,
negro. Talvez até me ajoelhe aos pés do visitante esperado. Quero beijar suas
mãos calejas pelo trabalho árduo e, em lágrimas, lhe dizer:
- Perdão por não
conseguir penosas melhores, meu amigo. Bendito era este país na época em que
ladrão, por aqui, só os que afanavam galinhas... Deus o abençoe. Que Deus, na
sua infinita bondade, o abençoe, meu honesto homem, meu maravilhoso
compatriota. Acredite, sinto um enorme orgulho de tê-lo aqui, diante de mim...