quarta-feira, 20 de março de 2013

Os que sabiam cantar



Antonio Contente
                                                                                
Numa longa entrevista que deu à Folha de S. Paulo já faz algum tempo, o compositor Chico Buarque garantiu que a canção, do jeito que a conhecemos, está com os dias contados. Claro que, em termos de música popular brasileira não tenho vastos conhecimentos, não sou nenhum Ruy Castro ou Edmilson Siqueira, mas, humildemente, confesso que adoro uma canção antiga. Nem diria que, cronologicamente, sejam músicas do meu tempo. Até porque essas coisas, afinal, não podem ser delimitadas assim. Entendo que um cara que esteja nascendo hoje poderá muito bem, daqui a trinta anos, se daqui a trinta anos ainda existir mundo, o que eu duvido, curtir um velho Lupicínio. 

Nem vou falar do que se compõe (ou decompõe) atualmente porque, francamente, faço ouvidos moucos para tais claves. E quando vejo, por exemplo, nas TVs, as multidões de jovens delirando nos shows de rock ou axé, em geral opto por guardar minha boca para comer minha farinha.

Tarde dessas lembrei de uma canção antiga em que o cantor celebrava “aquele olhar tristonho da cor do luar”. Ora, amigos, vamos falar a verdade, dizer que um simples olhar tem essas características não apenas enriquece o gesto como santifica pálpebras e retinas. E sou imediatamente remetido para a noção de que os compositores atuais deixaram de saber dizer as coisas, até porque se referir às zonas do meretrício apenas como zonas do meretrício, conforme ocorre em muitas letras, não tem a força de apontar tais locais como “ruas de amor e de pecado”. Que é como faziam antigamente.

Os morros do Rio... Bem, os morros do Rio viraram objeto de polícia e sociologia. Todavia, o que de fato faz bem às minhas tardes de chuva é saber que ali, para alguém, aquilo já foi apenas palco iluminado onde, vestido de dourado, o camarada se descobriu a cantar suas parcas ilusões “entre as palmas febris dos corações”. Para depois ver a amada, distraidamente, pisar nos astros... 

Olha, não consigo me acostumar com a realidade de que um apaixonado não possa mais pegar um violão para dizer que sonhou que a mulher idolatrada estava tão linda numa festa de raro esplendor. Ou que “adeus” são cinco letras que choram num soluço de amor, isso sem falar como deve ser duro um sujeito não mais saber berrar que tem o companheiro inseparável na voz do seu plangente violão. Poucas coisas são tão lindas, na música popular brasileira, como esse jeito simples, maravilhoso, de se referir ao instrumento de cordas como “plangente violão”...

Se você quer um sinal das pioras do mundo, concentre-se na realidade do quanto seria apedrejado alguém que escrevesse hoje que em sua rua mora uma deusa possuidora de olhos onde a lua costuma se embriagar. E que em tais olhos o sol, num dourado sonho, vai claridades buscar...

Mas, para focar melhor a que levam as contradições das épocas, o jornalista Milton Frungilo me contou que um conhecido seu que curte velhas canções e mora numa bela casinha na Vila Industrial, domingo desses nela entrou, depois de umas e outras. Feliz disse para a mulher, bem mais nova, chamada Maria, que o nome dela principiaria na palma das mãos dele. Arrematando com um “vem, querida, quero descansar na serpente de seda dos teus braços”. Ao que ela retrucou:

- Eu, hein, sai pra lá. Detesto cobras...

E quando o camarada foi dormir ela colocou, no som, um rap de angustiante atualidade...