Antonio Contente
Nem vou falar do que se compõe (ou decompõe) atualmente porque,
francamente, faço ouvidos moucos para tais claves. E quando vejo, por exemplo,
nas TVs, as multidões de jovens delirando nos shows de rock ou axé, em geral
opto por guardar minha boca para comer minha farinha.
Tarde dessas lembrei de uma canção antiga em que o cantor
celebrava “aquele olhar tristonho da cor do luar”. Ora, amigos, vamos falar a
verdade, dizer que um simples olhar tem essas características não apenas
enriquece o gesto como santifica pálpebras e retinas. E sou imediatamente
remetido para a noção de que os compositores atuais deixaram de saber dizer as
coisas, até porque se referir às zonas do meretrício apenas como zonas do
meretrício, conforme ocorre em muitas letras, não tem a força de apontar tais
locais como “ruas de amor e de pecado”. Que é como faziam antigamente.
Os morros do Rio... Bem, os morros do Rio viraram objeto de
polícia e sociologia. Todavia, o que de fato faz bem às minhas tardes de chuva
é saber que ali, para alguém, aquilo já foi apenas palco iluminado onde,
vestido de dourado, o camarada se descobriu a cantar suas parcas ilusões “entre
as palmas febris dos corações”. Para depois ver a amada, distraidamente, pisar
nos astros...
Olha, não consigo me acostumar com a realidade de que um
apaixonado não possa mais pegar um violão para dizer que sonhou que a mulher
idolatrada estava tão linda numa festa de raro esplendor. Ou que “adeus” são
cinco letras que choram num soluço de amor, isso sem falar como deve ser duro
um sujeito não mais saber berrar que tem o companheiro inseparável na voz do
seu plangente violão. Poucas coisas são tão lindas, na música popular
brasileira, como esse jeito simples, maravilhoso, de se referir ao instrumento
de cordas como “plangente violão”...
Se você quer um sinal das pioras do mundo, concentre-se na
realidade do quanto seria apedrejado alguém que escrevesse hoje que em sua rua
mora uma deusa possuidora de olhos onde a lua costuma se embriagar. E que em
tais olhos o sol, num dourado sonho, vai claridades buscar...
Mas, para focar melhor a que levam as contradições das épocas, o
jornalista Milton Frungilo me contou que um conhecido seu que curte velhas
canções e mora numa bela casinha na Vila Industrial, domingo desses nela
entrou, depois de umas e outras. Feliz disse para a mulher, bem mais nova,
chamada Maria, que o nome dela principiaria na palma das mãos dele. Arrematando
com um “vem, querida, quero descansar na serpente de seda dos teus braços”. Ao
que ela retrucou:
- Eu, hein, sai pra lá. Detesto cobras...
E quando o camarada foi dormir ela colocou, no som, um rap de
angustiante atualidade...