Edmilson Siqueira
O portal do Estadão, através da Eldorado FM, está realizando
uma enquete para que seus leitores votem na música que eles consideram o maior
clássico brasileiro de todos os tempos. E para facilitar o trabalho de todos –
do leitor e do jornal – expõe uma lista com 50 músicas adrede escolhidas.
Elaborar uma lista de cinco, dez, vinte, cinquenta, cem ou
mesmo mil melhores de qualquer coisa já é um problema. Isso porque a lista é
elaborada a partir de opiniões e, mesmo sendo opinião de gente que entende do
assunto, a lista nunca satisfará todo mundo. Em segundo lugar, há que se ter um
critério. No caso, me parece que houve algum – as músicas mais conhecidas dos
autores mais conhecidos, ou algo parecido. Mas aí surge mais um problema: todos
os grandes compositores brasileiros têm umas dez ou vinte músicas que muita
gente julga clássicas, definitivas, perfeitas – e com razão. E há muitos outros
problemas, como o do compositor de uma música só, um clássico, claro, mas só
aquele. Eu poderia citar, de cabeça,
uns quatro ou cinco autores que só são conhecidos por uma
música. Por exemplo: Niltinho Tristeza, que tem esse nome exatamente por causa
do clássico “Tristeza”, (pareceria com Haroldo Lobo) sucesso na voz de Jair Rodrigues. Pois desafio o leitor a dizer, sem olhar no
Google, outra música dele. Mas ele não está na lista. E os parceiros de Aldir
Blanc no mais que clássico “Amigo é pra essas coisas”? Essa música também ficou
de fora... Mas quem está, e com justiça por sinal, é Silvio Rochael Cassiano.
Sabe quem é? Agora vai saber: foi ele quem compôs aquela beleza chamada
“Primavera” que Tim Maia eternizou.
Há alguns anos a Rede Globo se arvorou a fazer um programa
classificando as melhores músicas brasileiras, numa lista que ela também
julgava definitiva. Ganhou “Carinhoso” (que é, realmente, uma unanimidade, mas
ser a melhor de todas é altamente discutível). Pois nesse programa com “as
melhores músicas brasileiras de todos os tempos”, Adoniran Barbosa ficou de
fora e quase que João Bosco e Aldir Blanc também ficam. A dupla foi encaixada
no fim do programa, mas a ausência do Poeta do Bixiga só foi descoberta depois
de o programa ter ido ao ar. Parece que houve uma homenagem posterior, mas a
emenda piorou o soneto.
Adoniran, por sinal, nessa lista aparece com “Trem das
Onze”, que, claro, merece estar em qualquer lista das melhores de todos os
tempos. Mas e “Saudosa Maloca”? E “Vila Esperança”?
Por essas e por outras, muitas outras por sinal, é que
elaborar listas para tentar descobrir qual é a melhor música, mesmo que se
elenque 50 delas, é fria. Se valer a popularidade ou a vendagem de discos, por
exemplo, periga a dupla Roberto/Erasmo, que comparece com duas músicas na
lista, ganhar de Jobim, Cartola, Chico e outros cujas obras estão anos luz à
frente dos heróis da jovem guarda no quesito qualidade, mas que venderam muito
menos e tiveram muito menos públicos em seus shows.
Na época dos festivais da Record, a briga já era grande. Os
programas mobilizavam a moçada do Brasil inteiro e, por um mês, não se falava nas
escolas. No dia seguinte ao da final, no velho Culto à Ciência de Campinas, onde eu
estudava, até aulas foram interrompidas para se discutir qual era melhor: Banda
ou Disparada.
A lista da Eldorado é boa, não há dúvida, mas passando por
ela atentamente, senti falta, assim, de cara, de uma dez ou vinte músicas tão
clássicas para a MPB quanto qualquer uma das listadas. Jobim comparece com
seis, uma sozinho e as outras cinco com seus parceiros – Newton Mendonça,
Vinicius e Chico. É o que mais tem músicas na lista, mas “Insensatez” – sucesso
mundial até hoje, com dezenas de gravações pelo mundo afora, não consta da
lista. E da parceria com Chico, está “Eu Tem Amo”, sem dúvida um clássico. Mas
e “Retrato em Branco e Preto”, cuja gravação só com orquestra (sem a letra do
Chico), com Jobim ao piano, numa catedral em Nova York, recebeu, ao fim,
aplausos em pé de toda a orquestra, comovida pela beleza da melodia?
Realmente, fazer listas para escolher melhores músicas,
filmes, livros, quadros, qualquer coisa que dependa do gosto de uma pessoa ou
de um grupo é uma grande fria.