sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Uma grande fria


Edmilson Siqueira

O portal do Estadão, através da Eldorado FM, está realizando uma enquete para que seus leitores votem na música que eles consideram o maior clássico brasileiro de todos os tempos. E para facilitar o trabalho de todos – do leitor e do jornal – expõe uma lista com 50 músicas adrede escolhidas.
Elaborar uma lista de cinco, dez, vinte, cinquenta, cem ou mesmo mil melhores de qualquer coisa já é um problema. Isso porque a lista é elaborada a partir de opiniões e, mesmo sendo opinião de gente que entende do assunto, a lista nunca satisfará todo mundo. Em segundo lugar, há que se ter um critério. No caso, me parece que houve algum – as músicas mais conhecidas dos autores mais conhecidos, ou algo parecido. Mas aí surge mais um problema: todos os grandes compositores brasileiros têm umas dez ou vinte músicas que muita gente julga clássicas, definitivas, perfeitas – e com razão. E há muitos outros problemas, como o do compositor de uma música só, um clássico, claro, mas só aquele. Eu poderia citar, de cabeça, uns quatro ou cinco autores que só são conhecidos por uma música. Por exemplo: Niltinho Tristeza, que tem esse nome exatamente por causa do clássico “Tristeza”, (pareceria com Haroldo Lobo) sucesso na voz de Jair Rodrigues. Pois desafio o leitor a dizer, sem olhar no Google, outra música dele. Mas ele não está na lista. E os parceiros de Aldir Blanc no mais que clássico “Amigo é pra essas coisas”? Essa música também ficou de fora... Mas quem está, e com justiça por sinal, é Silvio Rochael Cassiano. Sabe quem é? Agora vai saber: foi ele quem compôs aquela beleza chamada “Primavera” que Tim Maia eternizou.

Há alguns anos a Rede Globo se arvorou a fazer um programa classificando as melhores músicas brasileiras, numa lista que ela também julgava definitiva. Ganhou “Carinhoso” (que é, realmente, uma unanimidade, mas ser a melhor de todas é altamente discutível). Pois nesse programa com “as melhores músicas brasileiras de todos os tempos”, Adoniran Barbosa ficou de fora e quase que João Bosco e Aldir Blanc também ficam. A dupla foi encaixada no fim do programa, mas a ausência do Poeta do Bixiga só foi descoberta depois de o programa ter ido ao ar. Parece que houve uma homenagem posterior, mas a emenda piorou o soneto.
Adoniran, por sinal, nessa lista aparece com “Trem das Onze”, que, claro, merece estar em qualquer lista das melhores de todos os tempos. Mas e “Saudosa Maloca”? E “Vila Esperança”?

Por essas e por outras, muitas outras por sinal, é que elaborar listas para tentar descobrir qual é a melhor música, mesmo que se elenque 50 delas, é fria. Se valer a popularidade ou a vendagem de discos, por exemplo, periga a dupla Roberto/Erasmo, que comparece com duas músicas na lista, ganhar de Jobim, Cartola, Chico e outros cujas obras estão anos luz à frente dos heróis da jovem guarda no quesito qualidade, mas que venderam muito menos e tiveram muito menos públicos em seus shows.
Na época dos festivais da Record, a briga já era grande. Os programas mobilizavam a moçada do Brasil inteiro e, por um mês, não se falava nas escolas. No dia seguinte ao da final, no velho Culto à Ciência de Campinas, onde eu estudava, até aulas foram interrompidas para se discutir qual era melhor: Banda ou Disparada.

A lista da Eldorado é boa, não há dúvida, mas passando por ela atentamente, senti falta, assim, de cara, de uma dez ou vinte músicas tão clássicas para a MPB quanto qualquer uma das listadas. Jobim comparece com seis, uma sozinho e as outras cinco com seus parceiros – Newton Mendonça, Vinicius e Chico. É o que mais tem músicas na lista, mas “Insensatez” – sucesso mundial até hoje, com dezenas de gravações pelo mundo afora, não consta da lista. E da parceria com Chico, está “Eu Tem Amo”, sem dúvida um clássico. Mas e “Retrato em Branco e Preto”, cuja gravação só com orquestra (sem a letra do Chico), com Jobim ao piano, numa catedral em Nova York, recebeu, ao fim, aplausos em pé de toda a orquestra, comovida pela beleza da melodia?
Realmente, fazer listas para escolher melhores músicas, filmes, livros, quadros, qualquer coisa que dependa do gosto de uma pessoa ou de um grupo é uma grande fria.