segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Nós e os alienígenas


Antonio Contente

Nos setores que a isso se dedicam mundo afora, as buscas pelos extraterrestres não param, o que significa que, em muitos lugares, técnicos permanecem 24 horas com olhos, ouvidos e cabeças voltadas para o espaço sideral. O que, porém, disto chega ao noticiário, à chamada mídia, vem em ondas. 

Há épocas em que o tema, dependendo de algum procedimento que esteja sendo feito pela Nasa, por exemplo, inunda o noticiário. Em outras ocasiões, se acalma. Fazendo com que só de vez em quando alguma notícia de OVNI desgarrado surja, aqui e ali. Recentemente, com a chegada de equipamento americano às proximidades de Júpiter, veio verdadeira enxurrada de novas informações sobre as tentativas de algum contato imediato do terceiro grau. 

E até aqui em Campinas, faz poucos dias, o alinhamento de corpos celestes fez dezenas de pessoas procurarem o Observatório do Morro das Cabras, em Joaquim Egídio. Não só para ver o que o céu mostrava. Pois sabe-se que a grande ânsia dos que se interessam pelos densos caminhos das estrelas é, na realidade, sacar se estamos ou não sozinhos nas imensidões que pairam além da nossa imaginação.

Livros e cinema têm se esparramado, e muito, sobre o tema. Um dos filmes mais instigantes que vi falando da presença de alienígenas entre nós foi o modesto, porém esplêndido, Vampiro de Almas, dirigido por Don Siegel em 1955. Nele o médico vivido por Kevin McCarthy come um cortado com seres d’outros mundos que invadiam corpos humanos fazendo clones através de sementes implantadas em vegetais ou algo parecido. Filmaço.

Mas, em cima das recentes tomadas de Júpiter feitas com câmeras da Nasa, pensei mais longamente sobre não só a existência de extraterrestres como também nas possibilidades, avaliadas como reais, de que muitos deles já estejam pairando entre nós. 

O que, porém, me intriga, não seria a presença enrustida, clandestina, de tripulantes de OVNIs inclusive nas mesas do Café Regina onde, nas manhãs, derrubo meus chazinhos. Mas sim que, uma vez contatados, os habitantes do recém-descoberto Kepler-452b, distantes de nós 1.400 anos luz, se disponham a enviar, oficialmente, uma grande delegação à Terra. 

Ora, amigos, vamos falar a verdade, levando em conta que para cá chegar os extraterrestres visitantes teriam que dispor de alta tecnologia e inteligência fora do comum, o que a eles poderíamos mostrar? Este combalido corpo celeste totalmente esculhambado onde mal e porcamente vivemos? Francamente, que decepção os habitantes do espaço sideral iriam ter! Afinal, estamos num mundo em ampla decomposição, não só física como moral. 

Em ambos os casos os visitantes constatariam de cara o quanto degradamos o planeta, no qual as guerras localizadas seguem interminavelmente a matar pessoas como no espaço talvez não se matem nem moscas. Veriam os alienígenas, também, hordas de pessoas desnutridas em muitos lugares; e, horrorizados, caso sobrevoassem o Mar Mediterrâneo, talvez até tentassem salvar os negros africanos, doentes, famintos, que vagam e morrem afogados em busca de lugares para viver na velha Europa. E o aquecimento global, que tornou o último mês de junho o de maior canícula desde que medições de temperaturas começaram a ser feitas, no século 19? Horror!

Peguemos o Brasil. Já pensaram se os civilizadíssimos extraterrestres desembarcam nesta Banânia e são, de repente, levados a um diálogo com a presidente Dilma e seu criador Lula da Silva, esta dupla de gênios da raça? E, depois, usando os visitantes máquinas e métodos que os levariam a entender de tudo, com telepatia avançada, o que achariam das minúcias do desenrolar do Petrolão agora e do Mensalão em dias passados? Já imaginaram os computadores das naves espaciais chegadas do civilizadíssimo planeta Kepler-452b decodificando os pensamentos de um Eduardo Cunha, Collor de Mello ou Renan Calheiros?

Algo me diz que um sofisticado equipamento desses, colocado para detalhar aos viajantes do disco voador que o que a atriz Marieta Severo chama de “inclusão social” são os trocados que o governo doa aos miseráveis, certamente explodiria.

Assim, francamente, não dá para entender a ânsia de muitos em busca de contato com habitantes de planetas que estejam a anos luz de nós em termos de civilização. 

E não só porque absolutamente não temos o que mostrar. Como também porque um Lula, Jader Barbalho, Paulo Maluf, Collor de Mello, ministro Lobão, José e Roseana Sarney, Zé Dirceu, Genoíno, Palocci, Mercadante, Rui Falcão, Vacari, Franklin Martins, Delúbio, Jaques Wagner ou Mantega, levados, como personalidades que mandam “nestepaiz” em visita a um disco voador, certamente acabariam batendo as carteiras dos navegantes do espaço...

domingo, 30 de agosto de 2015

O prazer da leitura



Edmilson Siqueira

Comprei um ótimo livro e um problema. O livro é Queria Mais É que Chovesse do português Pedro Mexia, cheio de crônicas publicadas na imprensa lisboeta entre 2003 e 2014. O problema é que, sendo um nato escritor português, Mexia usa inúmeros vocábulos que, embora façam parte – quase todos – do nosso léxico, não são de uso corrente por aqui. Acrescentando-se a esse fato a ignorância desse cronista que jamais sonhou em ser um dicionarista ou filólogo, embora inveje o conhecimento de ambos têm de ter da língua pátria, muitas palavras são do meu total desconhecimento. Daí ter de ler o livro, de tamanho comum, menos de 200 páginas, tendo ao lado a primeira edição (de 2001) do sempre útil Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, um exemplar de vários quilos com suas 2.924 páginas, sem contar capa e contracapa.

Como não costumo ler em apenas um lugar, agora me vejo vagando pelo apartamento carregando o exemplar do Mexia em u’a mão e, na outra, o pesado Houaiss, correndo o risco de deslocar a clavícula num movimento mais rápido. E em quase todas as crônicas (em Portugal é “crónicas”) encontro, no mínimo, uma palavra cujo significa só o Houaiss pode me dar.

A primeira delas me ocorreu logo na segunda crônica do livro. Escreve Mexia: “...designação um pouco pífia que aqui repito com fins puramente facetos”. Facetos? Pois é o mesmo que chistoso, brincalhão me diz o Houaiss. E ainda ali, no mesmo parágrafo, ele tasca uma frase assim: “Numa palavra, a grunhisse abunda”. Tentei adivinhar como sendo falta de respeito ou ignorância e vou ficar sem saber. Não há registro dessa palavra no Houaiss e na rede de computadores encontrei-a em alguns textos portugueses, mas sem o significado. Ou seja, ela existe em Portugal, mas deve ter se afogado no Atlântico quando tentava chegar ao Brasil.

Logo em seguida deparo com “embiocada”. Nessa o Houaiss me salva: quer dizer “discreto” “que se esconde” e cabe certinho no texto: “Essa minoria é essencialmente formada por gente introspectiva e embiocada”. Mas a primeira definição é “envolto em bioco” e aí fui procurar o que é “bioco”, descobrindo que se trata de uma espécie de lenço que as mulheres usam para cobrir o rosto ou parte da cabeça. A palavra acabou sendo usada também para significar “discrição”.

Páginas adiante, na crônica “Nós, os Gordos”, Mexia diz que ficou “banzado” quando um amigo o colocou no rol dos mais pesados. Banzado? Tá lá no dicionário : “pasmo”, “perplexo”, “desagradavelmente surpreso”.

“E o pior é que não lobrigo soluções evidentes”. Lobrigo? Pareceu-me “percebo”, “antevejo”, mas fui lá no Houaiss conferir: o verbo lobrigar quer dizer “enxergar, com dificuldade, na escuridão ou penumbra”. Até que não fiquei muito longe do acerto.

A palavra seguinte foi “escanzelado” e descubro que se trata de alguém magro como um cão que passa fome. Jamais imaginaria.

A descoberta seguinte não teve o socorro do Houaiss e até tive certo prazer ao me deparar com tal expressão. Na minha vida noturna – hoje quase ausente, mas que já foi muito frequente – sempre estranhei o fato de um prato conter um “bife a cavalo” que se trata de um ovo sobre um bife. O nome não estaria errado? A situação não estaria invertida? Pois na crônica “O Senhor Albino”, simpático dono do Snob, o bar-restaurante preferido do autor, está lá: “...infindáveis horas de boémia mansa, de letargia melancólica, de enfado com ovo a cavalo”. Pois é, em Portugal chama-se corretamente um bife a cavalo de ovo a cavalo.

Mas volto ao dicionário para saber do que se trata “chavascal”. A crônica versa sobre tema delicado, que requer cuidados, pois comenta Mexia a vida sexual dos vizinhos do andar de cima, da qual ele é ouvinte assíduo e não por ser “todo ouvidos”. Simplesmente ouve por que as finas o teto que divide os andares não impede a passagem do som. E no meio da noite, quando ainda acordado, acaba ouvindo o que chama de “festividades” do casal vizinho. Pois “chavascal”, entre vários outros significados mais ou menos correlatos, quer dizer “falta de ordem”, “desarrumação”. Diferentemente, diga-se, do que cheguei a pensar.

Ainda estou no primeiro terço do livro e, além das palavras citadas, já encontrei várias outras que me levaram ao Houaiss. E, com certeza, muitas outras ainda estarão no meu caminho até a última crônica. Mas, quer saber? Apesar do peso e do perigo de uma distensão no braço, achei divertido andar pela casa, ao mudar de local de leitura – às vezes é a cama, outras vezes é o sofá da sala, já foi e será de novo, se o tempo ajudar, o terraço – carregando o pequeno exemplar do Pedro Mexia e o robusto e pesado Houaiss. Pois para mim, ignorante dos recônditos da língua pátria, não haveria o prazer da leitura de um sem o outro.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Os suspiros no silêncio


Antonio Contente


Cássia e Leala, ambas lindíssimas, eram duas amigas que moravam juntas dividindo o aluguel de um quarto e sala no Centro. Foi num sábado quando as duas curtiam o fim de semana que Cássia, tendo saído para trocar pernas pelo shopping, à tarde, voltou para casa no começo da noite, excitadíssima. Disse para a companheira de morada, mal entrou:

— Acabo de conhecer o homem da minha vida!

A outra, que estava até meio distraída, levantou a vista do romance Sombras da Primavera, de Keila Gom, que começara a ler:

— Como é que é?

— Acabo de conhecer o homem da minha vida!

Daí detalhou que sentara na Praça da Alimentação para um lanche quando notou que estava sendo observada. O rapaz encontrava-se na mesa ao lado com dois imensos olhos azuis, intensamente azuis, da cor de um total e acabado céu de brigadeiro, cravados nela. E então, completamente tomada pela beleza do sujeito, se viu prestes a concluir que se ele não se manifestasse, ela mesma iria falar-lhe.

— Mas o cara era mesmo bonito? — Leala quer saber.

— Bonito? Você sabe o Brad Pitt ou o Tom Cruise, não sabe? Pois bem, os dois, perto dele, eram o ex-presidente Lula com sua eterna cara de bebum brega.

Cássia segue contando que a troca de olhares se tornou algo, pelo menos para ela, quase insuportável. Até que, de repente, o camarada levanta e aponta a cadeira vaga na mesa que a fulaninha ocupava.

— Bom — Leala interrompe — apontou a cadeira para perguntar se podia sentar, certo?

— Certo. Só que não perguntou nada. Sentou, retirou do bolso interno do paletó um caderninho de notas e escreveu: “Desculpe, mas eu sou mudo”.

— Meu Deus! — A outra arregala os olhos.

Cássia então prossegue contando que, na base das mensagens escritas, conversaram horas. E que sentia estar começando a viver um grande, um imenso amor.

Bom, nos dias que seguiram ela e Moura — este era o nome do galã — de fato continuaram a se encontrar, sempre a “falar” com os bilhetes trocados cara a cara ou mensagens que a internet possibilitava. E se passam vários dias. Por fim naquela tarde em que saíram do discreto motel na estrada, após impecáveis instantes d’amor, foram comer alguma coisa num restaurante perto.

Ali, de repente, movida sabe-se lá por qual tipo de impulso, Cássia pega o bloco através do qual se comunicavam e indaga, com todas as letras: “Você, por acaso, não é casado?”. Perguntou e, ao mesmo tempo, se arrependeu, pois o bonitão ficou pálido. Tentou escrever alguma coisa, só que as mãos tremiam. Agita-se na cadeira.

O que haviam pedido para comer nem chegara, porém o rapaz, levantando, larga sobre a mesa duas notas de 100 reais e sai. Pega o carro estacionado logo ali; some, rangendo pneus.

A noite caíra quando Cássia chegou ao apartamento com os olhos vermelhos de tanto chorar. Leala se derrama:

— O que foi que aconteceu, menina?

— Ele... Ele... — Ela tenta falar.

— Ele o que?

— O Moura...

— O que tem o Moura?

— Descobri que é casado!

Daí em diante a paixão se desdobrou em angústia e desespero. Sem conseguir trabalhar, Cássia, que estava com férias vencidas, resolveu pedir o benefício. Leala até ponderou com um “mas você pretende ficar em casa curtindo essa fossa”? A outra primeiro a olhou longamente pro nada. Após gemeu, arrancando a frase do mais fundo do coração: “Vou esperar que Deus me ajude a morrer”.

Bom, mas não morreu e, aos poucos, a passagem dos dias começou a cicatrizar a ferida. Recomeçara a sair para um cineminha, um passeio pelas ruas do comércio central, um cafezinho nas esquinas da vida.

Até que, naquela noite, batem na porta do pequeno apartamento das moças, era o porteiro do prédio tendo nas mãos um envelope. Pelo sobrescrito Cássia logo reconhece a letra de Moura. Olhando nos olhos de Leala, diz:

— É dele.

Rapidamente abre para dar de cara com um bilhete e uma fita cassete das antigas que sumiram do mercado com a chegada dos CDs. A mensagem dizia: “Espero que você ache onde possa ouvir esta fita. Poderia enviar um pendrive, mas gosto do suspense. Nela explico tudo”.

Há longo silêncio entre as duas amigas. Cássia de pé, com a vetusta fita entre os dedos. De repente diz, balançando a coisa no ar:

— Só faltava essa, pelo jeito o Moura, além de casado, fala! Você já pensou se a voz dele, lindo do jeito que é, for igual à do Cid Moreira no tempo em que fazia o Jornal Nacional? Aí é que a paixão vai me matar...

Vira-se então, com gesto rápido, e atira a fita pela janela do décimo quinto andar em que moravam. Isso feito sentiu como se tirasse um enorme peso, do coração e da alma. E sorriu como se um passarinho cantasse dentro do seu peito.