quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Seis personagens



Edmilson Siqueira

Golé Marciano, Jota Toledo, Helder Bittencourt, Izildinha, Paulo Martinelli, Eustáquio Gomes.  O que eles têm em comum além de já terem nos deixado? A idade. Todos em torno dos 60 anos, o que é considerado hoje em dia morte praticamente prematura. 
Golé Marciano, jornalista, ótimo papo e grande figura, sempre atento aos amigos, não se importava em comer o que desse vontade e era relapso a médicos, regimes e colesteróis em geral. Assim, o garçom acabou trazendo a conta da vida meio relaxada rápido demais. Ele merecia curtir mais um pouco e nós merecíamos um pouco mais de Golé.

Jota, artista multimídia antes da era da informática, surrealista em vida e nas artes, não resistiu ao fato de o corpo ter fraquejado quase que definitivamente às doenças que o atormentaram desde cedo e aos cigarros e uísques que consumiu em doses elevadas por mais de 40 anos. Ao caminho inevitável do sofrimento, preferiu dar um fim na vida e levar com ela a dor que a tornava insuportável. Nada contra ele decidir por ele mesmo, mas seria bom ter Jotinha ainda hoje por aí, nos telefonando nas horas mais absurdas, ele que trocava o dia pela noite.
Helder, o sambista que tanta alegria nos trouxe, marcando nossos peitos com a batida certeira do seu surdo, preferiu viver a vida em sua totalidade a se fechar em copas e em remédios para tratar de doença grave. Às pílulas e regimes, preferiu a noite e a cerveja. Foi uma escolha também e merece de mim todo respeito, embora a dor causada aos que ficaram tenha sido enorme.

Izildinha, amiga que não via há tempos, pois vivia em São Paulo ao lado do querido Januário, estava cheia de planos, já que o marido agora tinha um pouco mais de tempo para as coisas mundanas e essenciais à felicidade. Um câncer a alcançou na esquina e impediu-a de prosseguir o caminho.  Não foi escolha, foi destino, foi fatalidade, foi injustiça.
Paulo Martinelli, jornalista que, sentando à minha frente na última redação que frequentamos, mais concordava que discordava de mim – o que era raro naqueles tempos -, era o que podíamos chamar de aventureiro. E intelectual a seu modo. Ah, discordávamos das mudanças climáticas ou aquecimento global, o que gerava deliciosas discussões que estariam vivas até hoje, não fosse a surpresa, a terrível surpresa de um ataque cardíaco. Agora, quando tomo uma Coca-Cola (o que faço apenas a cada três ou quatro meses) não é com o mesmo prazer: ela me lembra do Martina, toda noite na redação, a comer um xis bacon ou algo parecido, tendo ao lado a latinha, não a light ou a zero, mas a original.

E agora o Tatá, cuja morte encerrou o sofrimento – que não se sabe se ele sentia ou não – de longos anos de estragos irreversíveis provocados por um AVC. É certo que estava melhor, mas um amigo comum, que fora íntimo dele, me revelara: foram acidentes vasculares dos dois lados do cérebro e não haveria retorno mais do que ele alcançara até aqui: não falaria mais, compreenderia pouco e dificilmente abandonaria a cadeira. Eustáquio Gomes se foi deixando obra invejável pela qualidade do texto, pela criatividade e pelas amizades que semeou. (Leia nos comentários, informações mais precisas sobre Eustáquio Gomes, enviadas hoje, 24/02/2014, para o blog).
Enfim, são seis personagens que se foram antes do combinado ou mesmo sem nada combinar. Não vão nos acompanhar mais nessa aventura humana pelo planeta. Não creio em outras vidas, em paraísos ou qualquer coisa após a morte. Ficam a alegria das lembranças e a dor da saudade. Com elas continuamos vivendo até nos tornarmos também lembranças e saudades, alegrias e dores.