quinta-feira, 24 de julho de 2014

Vigiando o tempo


Edmilson Siqueira

Já no Brasil desde a última sexta-feira, andei arquivando e, claro, revendo, as mais de mil fotos que tirei nos 21 dias que passei em Paris. E descobri que, não sei levado por qual motivo, acabei fotografando uma série de relógios, mais precisamente treze, entre os muitos que enfeitam a paisagem parisiense com seus diferentes estilos. E, para um brasileiro acostumado com a pouca ou nenhuma importância que dão por aqui a esses maravilhosos trabalhos artesanais, outro fato me chamou a atenção: todos, sem exceção, estavam funcionando perfeitamente, marcando a hora certa. Nesses tempos de relógios digitais, no painel do carro, no telefone celular, nos painéis de propaganda, dá certo prazer erguer os olhos e contemplar essas obras primas com seus grandes ponteiros que nos fazem lembrar não apenas da hora certa, mas da arte do relojoeiro, da precisão de seus sensíveis mecanismos e do apurado trabalho de manutenção a eles dedicado para que se mantenham belos e majestosos a, mais que marcar o tempo, vigiar mesmo nossas horas, nossos dias, nossos meses, nossos anos e nossos séculos.

 


 




 
 


quarta-feira, 16 de julho de 2014

Paris 10 – Au revoir, adieu, a bientôt?

 
 
Edmilson Siqueira
Hoje, quarta-feira, 16 de julho, é o penúltimo dia aqui em Paris. Amanhã, às 23h30, embarcamos de volta para Campinas. Como amanhã é um dia complicado, de lembrar daqueles presentinhos que prometemos e até agora não compramos, de fazer malas e otras cositas mas, resolvi escrever hoje essa croniqueta de despedida dessa cidade incrível.
 
 
Foi a maior temporada que passei por aqui – 21 dias – andando e conhecendo o que deu para conhecer. Não fiz muitos planos, queria sentir um pouco da cidade sem compromissos, sem destino, sem relógio e sem patrão. Comer na hora que desse fome, beber água da garrafinha na bolsa, tomar uma cerveja à hora que o corpo pedisse uma cerveja e beber o vinho quando a refeição pedisse, ou não.
 
 
Enfim, queria zoar Paris (taí um verbo que uso, acho, pela primeira vez) mas em silêncio, como deve fazer um admirador eterno, um primitivo brasileiro que, tendo descoberto Paris muito tarde, resolveu vasculhá-la como penitente, escravo de suas belezas.
 
Passei na Tour Eiffel, olhei-a de soslaio e segui em frente: já te conheço as entranhas e as alturas. Do Louvre e seus inimagináveis tesouros, desdenhei um pouco, com o devido respeito, por querer bater pernas onde os bateaux mouches não nos levam. Do grande e napoleônico arco, passei por ele, mas preferi o mais novo – mas não mais bonito – lá pelas alturas de La Défense.

Vasculhei a Rue Mouffetard como quem procura tesouros perdidos, para encontrar uma casa, um endereço, um velho poeta e um escritor nem tanto, ambos já mortos, mas com nomes gravados na vida de algumas gerações. A casa está lá, a homenagem em forma de restaurante está lá e as devidas placas anunciando a existência deles ali e preservando a memória de quem merece estão lá. É Paris, é como deveriam ser muitas outras cidades.
 
Entrei por passagens que se anunciam em pequenos pórticos, alguns com os devidos registros históricos, outros nem com isso, mas em todas elas sente-se a vida latejando gostoso em suas livrarias, algumas de livros antigos, outra só de livros sobre um determinado tema; em seus pequenos cabinets de arte, com o próprio artista ali dentro produzindo novo trabalho; em seus cafés – ah, os cafés – perfeitos para receber a todos para uma pequena xícara e um jornal inteiro para ler. E lojinhas que parecem feitas de louça com suas delicadas lembranças de uma Paris que já passou, mas que ali se conserva perene. Passagens que guardam alguma coisa do espírito parisiense que se esgueira em suas estreitas passarelas.     
 
Fui duas vezes ao Museu d’Orsay e iria outras duas, quatro, seis... Ali mora a essência do expressionismo, o âmago de Van Gogh, o olhar gentil à natureza de Monet, A Bailarina de Degas, o passeio pela vida de Toulouse-Lautrec, o vigor e a sensibilidade de Rodin, e muito mais, tudo dentro de um enorme caixa de ferro, aço, concreto e mármore, velha estação do chemin de fer que foi  de ponto de chegada e alívio de muitos franceses fugindo do nazismo em outras cidades e aqui chegando para engrossar as fileiras da Resistência.
 
Fui ao Museu da Idade Média, surpreendente de tão belo, ao Museu de l’Armé que conta mil histórias de quase tudo que o homem fez para ganhar guerras e abriga um belíssimo memorial a Charles De Gaulle, inaugurado por Sarkozy, ao de Arts et Métiers, (quanta invenção!), entrei no Panthéon e nas igrejas de Santa Madalena – enorme e sombria - e Sacré Coeur, gigantesca e bela.
 
 
Desbravamos ruelas do romântico Montmartre (“é meio parecido com Santa Teresa, no Rio”, disse a Zezé),  e fui duas vezes ao Jardim das Plantas : é um enorme espaço dedicado gentil e cientificamente à natureza verde, com amplos jardins, centenárias e majestosas árvores, estufas de preservação de exemplares vegetais de boa parte do mundo, enfim, um templo que só a dedicação e a educação de um povo podem manter. A segunda vez que fui, foi para apresentá-lo a Zezé, que adorou.
 
E ainda teve a comida. Aprendi que o entrecôte é parecido, mas não igual, em vários restaurantes. Que a pizza daqui, pode ter algumas muito boas, mas não têm nada a ver com a que inventamos no Brasil ou mesmo com a italiana de Roma. Que o vinho pode-se pedir praticamente qualquer um que será bom, muito bom. Que a minha cerveja preferida é a mais vendida por aqui, tem em todo lugar e o preço não é mais nem menos que o das outras. Que o filé de porco é muito bom e que a lasanha à bolonhesa parisiense, aqui no restaurante La Comédia, a 30 metros do hotel e especializado em comida italiana, é muito gostosa.
 
Que há muito mais franceses gentis – desde que sejamos educados, claro – do que diz a tradição sobre o mau humor deles em relação aos turistas. Aliás, disso eu já sabia das outras viagens e apenas confirmei agora, no sorriso da dona do café onde tomei – todos os dias – meu chocolat et croissant e parti para o Metrô, satisfeito e ávido por desbravar ruas, ruelas, avenidas e boulevards. Ou do casal que atende a todos, turistas ou não, no Café Parisien, como se fossem velhos conhecidos.
 
 
Nessa última quarta-feira em Paris, dei uma olhadela no miolo do Quartier Latin, aquela porção de ruas estreitas, cheias de restaurantes oferecendo especialidades e lojas de souvenir, que sempre aparece nas fotos quando você vasculha algum arquivo virtual. Estava abarrotado de turistas. A agitação estudantil de outrora talvez exista em outras épocas do ano, mas não creio, já que Paris recebe muitos turistas o ano inteiro.
 
Andei de barco pela Sena para, mais uma vez, admirar a cidade de um ângulo abaixo da linha do “horizonte” e tive a atenção desviada para a bela guia que nos informava, em francês e inglês, tudo de histórico por que passávamos.
 
Assim foi Paris, mais uma vez, talvez a última. Fica uma sensação prazerosa de ter estado com a amante perfeita durante três semanas de completo amor.
 
 

sábado, 12 de julho de 2014

Paris 9 – Nas passagens de Paris


 
Edmilson Siqueira
Fui dar umas voltas lá pelas bandas das grandes galerias, entrei numa delas e fui ‘expulso” pelo preço das grifes logo no primeiro andar. Era um tal de Gucci de um lado, Prada do outro, Dior ali na frente, Givenchy do lado, Sephora à direita, Yves Saint Laurent à esquerda, sem contar os Versaces e Lacostes da vida. Tudo escrito “Soldes” que é como os franceses tratam suas liquidações de verão. Mas era “solde” de 200 euros pra cima... Não era pro meu bolso, embora tudo seja muito fino e, claro, muita coisa seja bonita também.
Resolvi vasculhar pela redondeza, não atrás de preços convidativos – isso tem muito por aqui e já encontrei muita coisa muito mais barata que no Brasil – mas atrás do que me atrai em Paris: as surpresas, o inusitado, o histórico.
Ainda estava no Boulevard Montmartre – que não fica em Montmartre, diga-se – quando vi uma espécie passagem entre dois prédios, com algumas lojas lá dentro. Resolvi entrar e comecei a descobri um mundo sobre o qual já tinha lido alguma coisa, mas não havia marcado entre meus possíveis programas por aqui.

À espera dos fregueses para um cfé, uma cerveja, um vinho ou um almoço
 
Era a Passage Verdeau, famosa e “secreta” (inicialmente era para esconder do mau tempo, depois para preservar loja que foram desalojadas na grande reforma de Haussmann no século 19). Ela começa – ou termina - ali no Montmartre e vai até a Rue De La Grande Bateliere.
 
De repente, lá dentro, um hotel chamado Chopin
 
No seu interior, cafés e lojas de vários tipos, mas quase todas voltadas para algum segmento artístico, como literatura (há uma só de livros antigos com alguns exemplares que me pareceram raridades na vitrine), desenho, pintura etc. Há também lojas de chocolate e outros doces que parecem casinhas de bonecas e até dois hotéis.
 
Não dá vontade de entrar e abrir todas essas latas?
 
O teto é de vidro para permitir a entrada da luz e a construção remonta ao século 18, quando Paris foi remodelada, surgiram grandes prédios para abrigar grandes lojas e as pequenas acabaram como que se refugiando nessas passagens. Há muitas delas em Paris e, só nessa minha incursão, atravessei três ruas e encontrei, quase em linha reta, três passagens distintas.

Fachada da Passage Jouffroy
 
Ao sair da Verdeau, atravessei o Bvd. Montmartre e entrei na Passage Jouffroy (não me lembro bem se foi essa a sequência). Ali outras lojas bonitas, pequenas, aconchegantes, com vários tipos de comércio, inclusive convidativas boulangerie atraindo qualquer um que passa com o cheiro de pão e doces recém tirados do forno. Um dos cafés é formado por duas salas decoradas como se fossem vagões de trem. Um barato!
O "chefe da estação" não estava no momento
 
Ao atravessar mais uma rua, deparei com a Passage Panoramas. Essa tem história escrita logo na entrada numa placa de aço. “Construída em 1800, no lugar do Hotel Montmorency-Luxembourg, a Passage des Panorames deve seu nome às suas duas torres de mais de 17 metros de largura e cerca de 20m de altura: ai foram pintadas telas retratando a vida geral de Paris e a evacuação de Toulon pelos ingleses em 1793. Apesar do desaparecimento desses panoramas em 1831, a passagem permaneceu por longo tempo como um dos passeios favoritos dos parisienses”.


Fachada da Passage Panoramas
 
A placa conta ainda que a Passage Panoramas foi o primeiro lugar público de Paris a ter uma iluminação a gás, em 1817. E prossegue: “Ali havia uma porção de boutiques de luxo, como o Café Veron, a Pâtisserie Felix, a confeitaria A La Duchese de Courland, a papelaria Susse e o gravador Stern, cuja loja existe até hoje”.
O antigo e belo relógio funcionando perfeitamente
 
Outra passagem que tem história é a de Choiseul. É um prolongamento da rua do mesmo nome e foi aberta em 1824 – tem, portanto, “apenas” 190 aninhos. Ela “foi projetada pelo arquiteto Tavernier sobre terras dos banqueiros Mallet, que usava os Hotéis Gesvres e Ratepon como centros de controle da administração dos sorteios da Loteria. A entrada da passagem, na rua Santo Agostinho, é uma galeria do hotel de Gesvres, construído por volta de 1655 por Lepautre, transformada em famosa casa de jogo durante a Regência. O número 23 da passagem foi, durante um século, a Livraria d’Alphonse Lemerre, editor dos poetas parnasianos. Jacques Offenbach entrou no número 73 com seu teatro Bouffes-Parisiens, e Louis Ferdinand Céline passou a infância no 67 e depois no 64.”
 
Interior da Passage Choiseur
Andei por lá por um bom tempo, apreciando as lojas, suas incríveis vitrines e a história que exalava de cada canto. Esbarrei em alguns turistas, mas não era bem o tipo que encontrei lá pelas bandas das Grandes Galerias. Aqui pareciam mais contidos, mas interessados nos detalhes, na arquitetura, no grande relógio, na porta do hotel, nos livros de arte antigos, na decoração do barzinho...
 
Um cantinho para um drink e um bate-papo
 
 

 
Um dos convidativos cafés da Passage Panoramas

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Paris 8 - As surpresas de Paris



Uma das três ou quatro floriculturas perto do hotel
 

Edmilson Siqueira
Paris surpreende quem sai por aí, sem compromisso com horários, com tempo para andar sem rumo e com uma alma curiosa. Claro que andar por uma cidade bonita, limpa na maior parte dos espaços públicos (sim, há lugares meio sujinhos por aqui, mas são exceção) quase sem se preocupar com segurança – há policiamento visível sempre e eu já vi vários grupos de três soldados andando por aí, armados de fuzil, talvez pelo 14 de julho que se aproxima - com banheiros públicos totalmente privados, modernos e cheirando limpeza em muitos lugares, com um transporte que te leva aos quatro cantos da cidade rapidamente e quase nunca totalmente lotado, com filas educadas em cada museu mais badalado (a fila é uma babilônia linguística e é divertido tentar adivinhar alguma palavra ou a origem do cidadão) e com cafés, restaurantes e padarias que não deixam você passar fome nunca, pelo contrário, atraem com suas mesas e cadeiras, com seus cheiros difusos e agradáveis e com suas vitrines de pães e doces, é outra história.

Quando decidi ficar esses 17 dias sozinho em Paris – por conta de uma viagem que a Zezé queria fazer à Escócia e eu não queria – não pensei em planejar muita coisa. Separei vários programas descobertos em blogs na rede, mas nenhum obrigatório. Já fiz vários deles, mas sempre aproveitando para andar, para exercer a arte de flanar por Paris, que é, confesso, uma das minhas paixões.

A máquina fotográfica registra muita coisa, mas às vezes me dá preguiça de interromper a contemplação daquela linha perfeita de prédios que constitui um ângulo obtuso com o conjunto de prédios da outra rua e dão a impressão que vão se encontrar no infinito. Ou de, sobre uma ponte do Sena, ajustar a máquina e perder um instante mágico de uma luz incidindo sobre um barco que passa.
As ruas cujos prédios parecem que vão se encontrar no infinito

Aqui onde estou, numa das pontas do Quartier Latin, já no fim da Rue Mouffetard que foi tema de outra croniqueta, eu poderia ficar por muito tempo. Num raio de 200 metros, mais ou menos, há mais restaurantes que, acho eu, no Cambuí inteiro em Campinas. E todos muito bons, com pratos diferentes, com cafés da manhã de respeito e com vinhos e cervejas da melhor qualidade. E, embora muita gente duvide, tratando um turista que quase não fala francês como eu, com o maior respeito e generosidade.

Arredores do hotel: uma cidade completa num raio de 200 metros

E não é só. A menos de 100 metros do hotel, há uma igreja construída no século XVIII sob uma praça romana que já tinha uma outra igreja – dedicada à mesma santa (ou santo, não anotei e não me lembro direito agora) desde o século XII. E sem contar quatro ou cinco pequenos supermercados, várias floriculturas e várias quitandas, com frutas em ótimo estado. Tenho me servido de bananas e maçãs que não devem nadas às da feirinha do Taquaral. E cinco, sim cinco livrarias, uma elas especializada em livros de artes.

Mas flanar por Paris tem me levado a outros bairros, outros bairros e, às vezes, mesmo antes de chegar, a gente já se extasia. Dia desses, numa das mudanças de linha do Metrô, ao entrar numa esteira rolante (acho que tinha uns 400 metros), deparei com uma enorme parede à direita, com uma gigantesca exposição de desenhos retratando dezenas de batalhas da Primeira e Segunda Guerra Mundial. Dava vontade de dar uns passos pra trás para ter tempo de admirar mais ainda aquele incrível trabalho.

Nas paredes do Metrô, as duas guerras contadas no traço

Num museu – entre os vários que já vi por aqui – de temas religiosos, de repente você depara com uma pequena escultura de Cristo crucificado. Sim, trata-se de um tema mais que batido, mas esse não tinha cruz. Cristo parecia flutuar, suavemente, embora em pleno suplício. Eu sou ateu e nunca escondi isso de ninguém, mas arte é arte e só os insensíveis não se comovem diante dela.

Cristo flutuando suave em seu suplício

Dia desses falei aqui da emoção de encontrar o apartamento onde Hemingway viveu, no andar superior de um prédio onde, no seu térreo, tinha vivido o poeta Paul Verlaine. No mesmo livro que me deu essa dica, havia também referência à Brasserie Balzar. Ali, a turma de Hemingway costuma jantar altas horas da noite, elogiando sempre a qualidade da cozinha. Pois ela ainda está lá, no mesmo endereço e com a mesma qualidade. Sentei-me numa de suas mesas na calçada, de frente para a rua, depois de dar uma olhada no ambiente interno que, creio eu, não deve ser o mesmo dos tempos da “geração perdida”. Pedi uma Seize e fiquei ali uma boa meia hora imaginando o passado.

Na Brasserie Balzar, boteco da "geração perdida"

Na volta para o hotel, a pé, fiz uma grande curva entrando em boulevards e ruas. Parei no cruzamento da Avenue des Gobelins com o Boulevard Sant Marcel. Subi uns 50 metros da avenida e, de repente, ouço uma voz atrás de mim: “S’il vous plait, monsieur, savez vous où est le Boulevard Saint Marcel?” Era uma chinesa (acho eu) acompanhada de outra, pedindo uma informação pra mim. Eu poderia dizer o meu já famoso “Pardon, je ne parle pas français”, mas eu não só havia entendido o que ela me perguntou, como sabia responder. Sem hesitar, estiquei o braço apontando para a esquina de baixo: “C’est...” e antes que eu terminasse, ela perguntou: “La bas?” “Oui” eu respondi. E lá foram as duas na direção apontada por mim, não sem antes dizer, com um sorriso, “merci beaucoup”. Continuei minha caminhada de volta ao hotel, mas achando que, dali pra frente, nada mais seria como antes.
É apenas a entrada de um condomínio em Paris


terça-feira, 8 de julho de 2014

Paris 7 - D’Orsay e Voltaire


 
Edmilson Siqueira

Conversando via Skype ontem com a Zezé, ela me perguntou se eu já tinha ido ao Museu d’Orsay. Disse que não, então ela sugeriu que eu fosse hoje, terça-feira. Estava nos meus planos ir lá, mas ia sugerir irmos juntos, já que ela vem domingo e vai ficar quatro dias aqui em Paris. E, claro, nós já fomos no d’Orsay numa das viagens anteriores e queríamos ir de novo. E de novo e quantas vezes der para ir.
O d’Orsay é menor que o Louvre, mas considero-o tão importante quanto e com um acervo mais interessante até. É que ali estão os revolucionários do fim do século XIX e início do XX que transformaram a arte de pintar, dando-lhe uma qualidade que jamais – antes ou depois – foi superada. Claro, há os clássicos que gostamos e respeitamos, há a Renascença que produziu tesouros, mas foi com os impressionistas, pós-impressionistas e modernistas que a visão a pintura se tornou real, humana e factível, por isso mesmo bela e insuperável.

No fundo da foto, a multidão pra entrar no museu
 
Então resolvi ir para, mais uma vez, admirar aquelas obras primas todas. O problema é que mais da metade dos turistas que estão em Paris nessa alta temporada decidiram a mesma coisa. Cheguei lá às 10h20 e entrei na fila. Enorme fila. Cinquenta minutos depois estava entrando no museu para comprar ingresso. Sorte que a entrada do pessoal da fila da rua era controlada de modo a não lotar o saguão e havia cinco ou seis guichês vendendo o ticket, o que fazia com que, tendo entrado no saguão, você já estivesse quase diante do guichê e comprasse o seu – 11 euros – rapidinho.
Comecei pelo começo (he, he), revendo as belas esculturas de Carpeaux, de Cordier, obras de Coulbert e as primeiras obras de Monet, Manet e Degas. Ali se pode comparar o início da reviravolta, com os classicistas Ingres e Delacroix, com os simbolistas Moreau, Puvis e apreciar uma sala inteira dedicada a Toulouse-Lautrec.

Mas a ala mais concorrida, como sempre, era a dos impressionistas e pós-impressionistas em suas fases áureas. Com um detalhe: uma multidão na entrada – também controlada – da sala dedicada a Van Gogh.
Passei por quadros de Monet, Van Gogh, Manet, Gauguin, Renoir, Degas, pelas esculturas de Rodin e muitos outros que, com o olhar de artistas e muito trabalho, transformaram a visão da arte para sempre.
Lá dentro é proibido fotografar: mas essa foto é permitida

Sem contar que o d’Orsay é uma festa para todos os sentidos e olhares. Tem artes decorativas do século XIX e início do XX, tem salas especiais mostrando fases de grandes artistas como Tissot e o realismo, Toulouse-Lautrec e a vida parisiense, Degas e seu debut, pintura acadêmica em grandes formatos, Manet e Cézanne nos anos 1860, as artes decorativas do Segundo Império, o Orientalismo, duas ou três salas só para as artes gráficas e outras só para arquitetura.    

O restaurante Voltaire, na Quai Voltaire...

Saí de lá já quase à tardinha, sem ver tudo, morto de fome, mas saciado de cultura (boa essa, hein?). Mas como cultura realmente não enche a barriga, saí procurando um restaurante o mais próximo possível, de preferência na rua que separa o museu do Sena. Encontrei o Voltaire, não exatamente o escritor, ensaísta e filósofo iluminista francês, porque ele morreu no século 18, mas um restaurante que leva o seu nome. E que fica justo no térreo do prédio onde Voltaire morreu em 30 de maio de 1778, há mais de dois séculos portanto, e que ainda está lá inteiro e habitável. Paris não é mole, não.
 
...e a placa lembrando que Voltaire morreu ali