segunda-feira, 30 de junho de 2014

Paris 3 – Andar por aí



Edmilson Siqueira

Andar pelas ruas, avenidas, ruelas e boulevards de Paris é uma aventura única para quem se encanta com um conjunto excepcional, com paisagens construídas pelo homem que se sobrepõe ao tempo e que, mesmo datadas em suas artes e arquiteturas passam a mensagem de solidez, tradição, perenidade e seja lá o que mais uma Torre de Saint Jacques, por exemplo, queira passar. Claro que Saint Jacques tem história e deve merecer a homenagem, mas uma torre daquele tamanho faz a alguém como eu, que nada sabe sobre o santo (sim, vou procurar no Google depois, mesmo porque o wifi do hotel pifou e estou sem internet até amanhã, que é segunda-feira, quando devo postar essa croniqueta no blog)* pensar que ele tenha sido extraordinário em seus milagres ou em suas façanhas para merecer um monumento como aquele. Que, de resto, é maravilhoso, impondo-se à distância como se fosse uma das torres de respeitável igreja.
 
Mas ali sobre o Sena, depois de passar em frente aos teatros Châtelet e De La Ville, o cenário também se deslumbra ao pôr do sol. No início do verão, quando o sol por essas plagas ainda anda tímido, as nuvens no céu constantes e na rua há gente de bermuda e de casacos, de sandália havaiana e de cachecol, o Sena pode oferecer reflexos inimagináveis. Fiquei ali na ponte vários minutos apreciando aquele deslumbre cenário e me lembrando que é a mesma posição do terracinho do apartamento em Campinas. De repente, uma barcaça com música ao vivo rasga o rio, tendo em sua parte superior homens de terno e gravata e mulheres de vestidos longos. Deve ser um casamento, pensei. Procurei a noiva, mas não encontrei...
 
A Rue de Rivoli, para onde fui logo depois, é famoso centro de compras mas, num domingo à noite é de uma tranquilidade total. Movimento mesmo só nos cafés, com parisienses já se arriscando a tomar uma cerveja pression depois das 20h. Muitos turistas, claro, mas tudo se transcorre calmamente, com direito até a emoções repentinas. Antes de deixar a margem direita do Sena, eu estava trocando as pilhas da minha máquina fotográfica, encostado na mureta com uma vista magnífica. Escutei um ‘isn’t beautifull?’ e ao me virar um pouco, vi duas americanas, vinte e poucos anos, olhando para a paisagem com os olhos úmidos, encantadas.

Mas no domingo estive no La Défense também, aquele enorme conjunto de arranha-céus que deve ter sido erguido para mostrar que Paris também tem arquitetura contemporânea. O Arco, enorme, faz a gente se sentir minúsculo e, embora não consiga achá-lo bonito, ele acaba combinando com o ambiente criado em torno, com inúmeros e altos edifícios das mais variadas formas. Fiz muitas fotos, embora a luminosidade do dia – um céu coberto de nuvens com direito a uma chuvinha que me fez entrar no shopping pra comprar um guarda-chuva que acabei não encontrando – não estivesse ajudando.

Subi os 54 degraus que nos coloca sob Le Grand Arch, parando para “apreciar a paisagem” a cada 18 deles – são três lances de 18 degraus – e, claro, respirar um pouco. Lá em cima, não do arco que, para subir nele mesmo tem elevador e acho que o serviço não está funcionando mais, se deslumbra uma outra paisagem. De frente para a praça central da Défense se avista, em linha mais que reta, o Arco do Triunfo. Claro que a construção de tudo tem um significado e há até mesmo uma outra explicação para a localização do Arco, gravada numa placa ali na sua base. Li, mas não entendi direito. Quando a internet voltar...**

No shopping existente por ali é facílimo se perder. Muitas lojas têm três andares e suas fachadas são muito parecidas e a todo momento, mesmo mudando de piso, tem-se a impressão de já ter passado por aquele corredor. Quando a fome apertou, vi um quiosque da rede Paul, que faz um sanduíche de respeito. Por 4,05 euros, saí com uma baguette recheada com presunto cru e queijo e passei a procurar a saída para comer “lá fora”. Demorou um pouco, mas encontrei e pude assim saudar um amigo que me pediu para lembrar dele exatamente nessa hora: ao degustar um bom sanduíche francês que ele aprecia muito.  

Notas escritas depois que a internet voltou:
*Descobri no Google que Saint Jacques é o apóstolo Santiago, que vem a ser o da Compostela, palavra formada por “campo” e “estrela”, pois o famoso caminho teria sido revelado a um rei que sonhou com Santiago, através da sequência de estrelas na Via Láctea. Santiago teria morrido no ano de 42 DC e a peregrinação vai até onde, supostamente, foi encontrado seu túmulo.

** Não disse que tinha um motivo?  Tá lá na Wikipédia: “O distrito (La Défense) está na extremidade ocidental de Paris, ao longo do Eixo Histórico, que começa no Louvre, no centro de Paris, e continua ao longo da Champs-Élysées, através do Arco do Triunfo, até culminar em La Défense.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Paris 2 – Reencontro com a Seize


Tirei a foto depois do primeiro gole
 
 
Edmilson Siqueira

Depois de 12 anos, tomei novamente uma 1664, apelidada aqui carinhosamente de Seize (16) num café-restaurante de Paris. Estava esperando um prato – filet mignon de porc au 5 baies avec puré de pomme de terre. E eu não sabia o que era baies. Agora já sei que baie é baía, mas não adiantou nada, embora eu já saiba que filé de porco assim vem com um molho parecido com o nosso madeira, mas mais gostoso. Enfim, estava ótimo. Quando pedi o menu, pensei que a garçonete não havia entendido, então, como ela estivesse demorando, na primeira chance pedi de novo. Ela respondeu num tom que me deu a impressão de estar de saco cheio por ter de atender sozinha várias mesas. Quando ela trouxe o menu eu disse, caprichando na pronúncia: “Je na parle pas français“. Ela respondeu rapidinho: “D’accord!” e saiu sorrindo. Menos mal.
Sob o copo de cerveja pression (é como eles chamam a cerveja vendida no copo e gelada) estava uma bolacha, não da Seize, mas sim da belga Leffe. Pensei: “Baco tá de brincadeira comigo. Chego em Paris, peço uma Seize e vem essa bolacha me lembrando da ótima cerveja belga que, na falta da francesa, tenho tomado em Campinas?” E já engatilhei uma vontade de levar a bolacha pra casa, mas não sabia se pedia ou simplesmente punha no bolso. Para qualquer dos atos, eu teria de vencer minha timidez.
Terminado o almoço, solicitei a conta caprichando de novo na pronúncia: “L’addition, s’il vou plait”. Ela sorriu confirmando que entendeu direitinho o que eu disse e, logo em seguida apareceu com a conta, 19 euros e 10 cents, que foi paga com duas notas de dez. Deixei o troco pra ela, principalmente depois que eu, pegando a bolacha na mão, disse lhe disse: “Souvenir?” Quando ela disse “Oui” eu tasquei: “Je fait collection”. Ela, sorrindo, disse alguma coisa mais que não entendi, agradeceu e eu saí do café satisfeito. Esse pedido me lembrou a Zezé que, em 2001, em Roma, disse com a maior naturalidade para a dona de quiosque: “Is it a souvenir?”, apontando para um pratinho de plástico, todo florido onde vieram os sanduíches que pedimos. Usamos o pratinho até hoje em casa.
Ao sair do café, fui recebido com uma chuvinha, como a do dia anterior, que só assusta, mas nem molha. Fui devagar pro hotel, não sem antes passar na boulangerie – sim, eu já vi várias delas por aí – e pedir 2 pains avec chocolat, que é um croissant com gotas de chocolate de recheio. Comi os dois à noite no hotel antes de dormir. Uma delícia.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Paris 1 – Tateando as redondezas


Rue Mouffetard
Edmilson Siqueira

Paris me recebeu com um solzinho quase o dia todo e uma chuvinha no início da noite. Solzinho e chuvinha assim no diminutivo porque um não estava tão quente que dispensasse um agasalho que se via em quase todo mundo na rua e a outra nem de molhar bobo era. Umas gotas aqui e ali que só serviram pra me assustar e me fazer voltar pro hotel sem a baguette recheada com presunto cru e queijo brie que um conhecido disse pra eu comer e lembrar dele. Mas tenho tempo.

Essa parte do Quartier Latin em que estou, mais perto da Mouffetard que do centro histórico do quartier, é mais aberta, poucas ruelas medievais preservadas e algumas avenidas bem largas cruzando a região. Mas tem muitos encantos para quem, como eu, baba diante de qualquer prédio centenário que esteja preservado e ainda servindo para o fim para o qual foi erguido. Vejo neles certo ar de orgulho, como a dizer para quem passa: já vivi quatro, cinco ou mais gerações e continuo firme. Claro que com outras mãos de tintas preservando ou não a cor original e servindo, muitas vezes, a outros propósitos, não menos nobres que o original. Esse hotel em que estou, por exemplo, parece ter sido construído para ser um prédio de apartamentos, seis andares, fachada igual a muitas outras. Depois pode ter passado por uma reforma interna – e tão somente interna – para dividir os apartamentos – talvez dois por andares – em vários quartos que passariam a receber hóspedes do mundo inteiro. Quarto e banheiro. Pequenos, mas quem fica muito tempo neles tendo Paris a partir do térreo?

Paris na qual pretendo flanar a partir de amanhã. Vou pegar um programa qualquer dos que selecionei ainda em Campinas, entrar no Metrô, comprar um bilhete para dez viagens – todo mundo diz que esse é o método mais barato – e me mandar. Mas não sem antes descobrir um lugar para tomar um café da manhã. Andei por aí e há vários candidatos. O problema é a confusão mental, pois todo restaurante por aqui leva o nome de café. Claro que já sei disso faz tempo, mas até hoje quando vejo a palavra “café” na fachada, penso que vou encontrar pães quentinhos e chocolates idem, além do cafezinho obviamente. Padaria é boulangerie e, geralmente, não servem cafés lá dentro. E, pra dizer a verdade, não vi nenhuma boulangerie nas redondezas nessas primeiras caminhadas. Mas vi um boteco – pelo menos tem cara de boteco – com um enorme cartaz onde está escrito café e chocolat. Acho que é lá que vou amanhã cedo.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Paris, Paris



Edmilson Siqueira

Nesta quarta-feira, 25 de junho, Zezé eu estamos embarcando pras “Oropas”. Ela fará uma viagem que planeja há muito, vai conhecer Findhorn, uma comunidade autossustentável na Escócia e rever sua amada Londres, com direito a visitas a Totnes e ao Schumacher College (nada a ver com o piloto campeão). Ficará 17 dias nesse périplo e depois vai se encontrar comigo em Paris, onde estarei fazendo o enorme sacrifício de esperá-la por todo esse tempo...
Mas estou tentando amenizar o sacrifício: na bagagem levo uma lista de 19 programas que recolhi na rede entre restaurantes bons e baratos, passeios curiosos longe do turismo tradicional, uma boa vasculhada em toda Montmartre (nas outras viagens faltou conhecer melhor o velho e boêmio bairro), algumas lojas que podem render boas compras sem gastar muito e jazz aos cântaros – nos bares, nas praças e shows: há pelo menos um festival muito bom e gratuito na lista, o La Défense Jazz Festival 2014, com shows três dias à noite e cinco dias às 12h. Não devo ir a todos, mas na maioria devo estar lá.
 
Mas os programas podem ficar em segundo plano diante do meu encanto por andar sem destino, tentando descobrir cantos e esquinas que podem gerar paixões momentâneas ou fotos que só eu gostarei de rever ou mesmo apenas aquela sensação de se estar numa cidade civilizada, limpa e muito mais segura que qualquer cidade média ou grande desse nosso país.

Comprei um notebook, pequeno, para levar na viagem. Ele ficará no hotel e, quando as aventuras parisienses diárias e noturnas terminarem, tentarei registrar em texto e imagens o que vi, vivi e senti. E, em registrando, postarei neste blog para deleite de meus parcos leitores. Não sei se vai funcionar, a vontade de conhecer e rever muita coisa é grande e posso nem ter forças para, depois de um dia típico, sentar-me à frente da telinha brilhante para cometer uma croniqueta.
 
Levo também uma máquina GE (sim, General Eletric) semiprofissional, 14 megas pixels, que também filma em HD, que será a responsável por captar as imagens todas que me darão saudades nos próximos anos. E um pen-drive de 8 megas para guardar tudo sem perigo de perder. Há, claro, uma prosaica e bela cadernetinha de viagem, cheia de páginas e linhas em branco para anotar o que for preciso, usando aquela velho modo de registrar fatos com uma caneta e a própria mão.

A amigos tenho dito que esta será a última vez que verei Paris. Como já passei dos 60, alguns imaginam que não terei tempo de voltar um dia, que partirei antes para o infinito do qual não voltamos mais. Digo que o motivo é mais prosaico: aposentado, vivendo de uma renda mixuruca que a previdência me paga depois de 35 anos de contribuição e mais de 40 de trabalho, vai ser difícil juntar economias que bastem para atravessar o Atlântico e pousar na Europa. A última viagem a Paris foi em 2002, por isso acho que esta é a última, mas faço uma ressalva: não deixarei de fazer uma fezinha nos jogos de azar que o governo patrocina e, se um dia, entre as ínfimas chances que eles proporcionam, a sorte me bafejar, arrumo as malas e passo o que me resta de dias, meses e anos num país onde as paisagens construídas pelo homem são belas e conservadas e onde a civilização e a civilidade imperam.