Edmilson Siqueira
Meu amigo Antonio Contente, que divide essas bissextas
crônicas comigo, vai gostar da história que relato a seguir. História
genuinamente verdadeira, apenas com nomes trocados porque os personagens ainda
podem estar por aí e, como diria Contente, caldo de galinha e precaução são
bons até em Belém do Pará. Pensando bem, acho que ele não diria isso, pois costuma
colocar o nome dos amigos nas crônicas e inventar as histórias. Ele inverte o processo
e o nomeado que se vire...
Bom, foi numa conversa dessas que a gente costuma dizer que
joga fora, que conheci a história seguinte. Aconteceu entre os amigos de um
velho ponto de táxi num antigo bairro da cidade. Naquela época, como não havia os
serviços de chamar táxis a partir de uma central telefônica, havia menos corridas
e os motoristas passavam mais tempo no ponto, jogando um baralhinho e, claro, se
conhecendo muito mais. Assim, fiquei sabendo que Jairo, o coordenador do ponto,
era mulherengo que só vendo. Bom de papo, quando uma passageira mais ou menos
ajeitadinha entrava no seu táxi, os amigos já se olhavam como cúmplices. Ao
virar a esquina, as apostas surgiam e era difícil achar alguém que apostasse
contra o Jairo e sua fina lábia.
Osmar, o amigo que me contou a história, informou também que
a mulher de Jairo – sim, ele era casado há vários anos – era ciumenta demais. “E
com razão”, acrescentou. “Jairo não perdia corrida, se é que você me entende”.
Pois não é que um dia o telefone do ponto tocou, Jairo
atendeu e, assim que desligou, disse para os colegas: “Não volto mais hoje”.
Como ainda eram duas da tarde, todos pensaram a mesma coisa: “Aí tem...” E
tinha mesmo. Dia seguinte Jairo contou a novidade: “A mulher que ligou ontem é
uma ricaça que eu peguei um dia lá no Tênis Clube. Não é viúva, mas o marido
estava junto e no maior caco. Foram brigando no táxi, em voz baixa, mas eu ouvi
tudo. O cara não dá mais no coro de tanto que bebe. Quando eles chegaram, ali
na Nova Campinas, fiz questão de descer, abrir a porta pra ela e admirar
aquelas belas pernas. Ela percebeu e mostrou mais ainda. O marido estava descendo
do outro lado, quase caindo e eu aproveitei e lhe dei um cartão meio escondido.
Ontem a Maria Helena – é esse o nome dela - ligou”.
“E aí?”, perguntaram os quatro atentos ouvintes.
“Aí”, respondeu Jairo, peito meio estufado, se esforçando um
pouco para esconder a barriga, “ela saiu de casa sozinha, com um vestido mais
generoso que o da primeira corrida, sentou no banco traseiro sem se importar
com as pernas à mostra e disse que o marido estava viajando a negócios, São
Paulo, Rio, por aí e só voltava em dois dias”.
Os amigos taxistas esfregaram as mãos: “E aí?” Jairo fez cara de vencedor: “Aí fomos para um motel e passamos a tarde toda lá”.
O caso já durava um mês quando Jairo chegou ao ponto de
manhã e saiu do carro com uma caixa na mão. Mostrou aos amigos: “Olha só o que
ela me deu”. Era uma camisa importada, de pura seda, coisa de ser comprada com
muitos dólares naqueles anos de inflação louca. Não era pra taxistas como eles
que ficaram de boca aberta admirando o presente. Mas Jairo estava triste: “Como
vou chegar com isso em casa? A patroa me mata, não vai acreditar se disser que comprei,
vai querer ver a nota, vai querer saber o preço e vai descobrir que é coisa
fina demais pro meu bico”.
Foi então que Osmar, que já abandonou a carreira de taxista
há mais de 20 anos e vive de próspero comércio no Centro de Campinas, me disse
que deu uma sugestão genial pro preocupado Jairo: “Faz uma rifa”.
“Como assim, vou rifar a camisa?”
“Não. Você compra uma cartela dessas com nome de mulheres na frente e atrás,
aquelas do Heitor dos Prazeres, de Jandira, abre o lacre, vê o nome
vencedor e assina nele. Daí a gente preenche o resto como se tivesse comprado
a rifa. Aí você chega em casa com a cartela e diz que ganhou a camisa na rifa”.
“Você é um gênio, Osmar! Salvou minha vida!”
Na volta da corrida seguinte, Jairo já chegou com a cartela
na mão, com o lacre rompido e com seu nome no quadradinho da Marcela, era esse
o nome vencedor. Os outros 99 quadradinhos da cartela foram preenchidos pelos
colegas, que, além dos próprios nomes, inventaram mais um monte deles. Ao sair
para a última corrida do dia, Jairo agradeceu a todos eles, “vocês são amigos
de verdade”.
Dia seguinte, de manhã, Jairo foi o último a chegar no
ponto. Os amigos o cercaram: “E aí?”
“Aí que deu merda!”Ouviu-se um “por quê?” uníssono.
Jairo sentou no banco e começou a falar, voz baixa, mas
firme: “Vocês sabem que minha mulher é ciumenta, né? Pois quando lhe mostrei a
rifa dizendo que ganhei, ela me perguntou por que eu não assinei Madalena, que
é o nome dela. Eu não sabia o que dizer. Aí ela me perguntou quem é essa tal de
Marcela. Eu disse que era ninguém, foi só um palpite. ‘Cês acham que ela
acreditou? Já desconfiada, pediu pra ver a camisa. Pô, vocês sabem que eu sou
grande, tenho quase dois metros e estou meio gordo, meu número é 'Extra GG' e a camisa da rifa era
exatamente o meu número! Aí foi demais! A camisa virou picadinho e eu acabei
dormindo num hotel. Sozinho. E tem mais: quando a Maria Helena me deu a camisa,
marcamos pra hoje à tarde, que o marido foi viajar de novo. E ela falou: não me apareça se não estiver com a camisa!”
Muito divertida a crônica, Edmilson. Valeu a corrida!
ResponderExcluirAbraços
Muito boa!
ResponderExcluirO maior galã entre todos os taxistas de Campinas, em todos os tempos, não terá seu nome divulgado aqui, por motivos óbvios. Seu ponto, nos anos 60, quando eu o conheci, era no Cambuí. E o cidadão, com mais de 40 anos então, era disputadíssimo por algumas madames, não só por ser excelente profissional como por lembrar, quase com minúcias de sósia, o porte do cantor de tangos Carlos Gardel; com o detalhe de que também entoava as "Las Cumparsitas" da vida com inegável competência. A vida do moço mudou completamente depois que uma de suas clientes, esposa de um rico empresário, ficou viúva de repente. O casamento com o pintoso profissional do volante aconteceu menos de dois meses depois. Hoje o casal mora no Paraná, numa das imensas fazendas que a santa senhora herdou. Um colega do motorista em questão, que ainda está no batente no ponto ao lado do prédio do Jockey, me contou que ele já passou dos 80 e continua cantando. Felicíssimo ao lado da esposa, que também trafega pela mesma idade.
ResponderExcluirGrande Edmilson; bela história; parece que passa um filme quando você narra esses "causos"; um grande abraço
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