terça-feira, 8 de março de 2016

O papagaio lulista


Antonio Contente

Ela me ligou pra perguntar, à queima-roupa, se eu poderia tomar conta de um papagaio. Vazei, claro, algum espanto, porém veio a justificativa: —O problema é o seguinte: ficarei uns dias nos States, a trabalho pela Unicamp, e queria que você tomasse conta do Marcão.

—De quem?

— Do Marcão. O meu papagaio.

Confesso que, nas circunstâncias, me senti encurralado. Afinal, nunca me passou pela cabeça tal tarefa. Gemi um “será que terei competência”?

—Claro—ela garante, eufórica — não tem mistério nenhum.

—Bom...

—Olha aqui—a amiga se torna coloquial —, no lugar que você mora tem espaço, não é mesmo? Pois basta isso. Eu levo o poleiro do Marcão praí e pronto.

— E quanto à alimentação do bicho? Almoça o que, essa fera?

— Deixarei tudo o que ele come com você. Será moleza.

Foi assim que, no dia seguinte, acordei com uma algazarra na área de serviço, e custei pouca coisa a sacar do que se tratava. Me dirigi então ao papagaio: — Quer fazer favor de ficar  quieto, meu?! Ainda não deu nem seis horas da manhã!

—Veado! Veado!!!

Recuei, espantado, e me apoiei na máquina de lavar, para não cair.

— Veado! – O papagaio mais uma vez bradou.

— Escuta aqui, seu bichinho safado — ergui o indicador – veado é o escambau, tá?

Mesmo assim, dei pro sacana um pedaço de abóbora e me manquei.

Na verdade, porém, o fato se repetiu nos dias seguintes. Antes das seis o pássaro começava a grasnar, eu ia a ele, era chamado de veado e lhe dava uma lasca de jerimum ou uma goiaba.

Tudo, porém, até poderia terminar bem não fosse que, certa manhã, o louro me acordou a cantar o “Lula Lá”, aquela musiquinha miserável da primeira eleição do ex-metalúrgico. Corri pra área e a ave me recebeu, a dizer:

—“Lewandovsky bom, Lewandovsky santo! Juiz Moro ruim, juiz Moro demônio”! E repetiu  isso três vezes.

Verdadeiramente estarrecido, recuei; ele voltou a cantar o refrão do “Lula Lá”. Completando:

— Sítio Atibaia não dele! Apê Guarujá não dele!

Nesse instante, minhas entranhas ferveram. Completamente descontrolado voei sobre o animal e, com as duas mãos, o estrangulei. Porém, só no instante em que larguei sobre o piso o verde corpo inerme, caí na realidade com um “santo Deus, o que fiz”?

Meu primeiro impulso foi esconder o, digamos assim, cadáver.  Entretanto, veio logo à minha mente a figura da dona do bicho que chegaria a qualquer momento de viagem, e não poderia constatar que sua ave de estimação, que amava de paixão, fora, simplesmente, assassinada.

Nesse instante lembrei que no Largo da Concórdia, no lendário bairro do Braz, em São Paulo, resiste uma feira que vende, mais ou menos à sorrelfa, várias espécies de aves, inclusive papagaios e até cacatuas.

Daí liguei para o meu amigo professor Odair Borges, dono da mais famosa academia de judô de Campinas, que conhece Sampa como as palmas das próprias mãos, contei o sucedido
e pedi que me levasse ao destino desejado no seu carro de luxo. 

Carona conseguida, enfiei o defunto numa caixa de sapato vazia e, com a estranha e pesada sensação de que mil olhos me espreitavam, fiz aquela que estava classificando, apesar da esplêndida companhia do generoso parceiro, como viagem macabra”.

Pelas 10 horas da manhã chegamos diante de um vendedor e, ofegante, mostrei a ele o corpo inerme de Marcão.

Pedi:  — Pelo amor de Deus, você tem que me arranjar um igual.

— Igual como? – Ele me encara.

—Me refiro—expliquei—ao mesmo jogo de cores das penas, e até esta pintinha amarela aqui no papo. Pago o que for preciso.

De fato constatei, instantes depois, que se o falecido possuía um irmão gêmeo, eu acabara de achá-lo. Nessas condições,  satisfeito, regressamos pra Chácara da Barra e, dias depois,
quando a amiga voltou na América, ainda de Viracopos me ligou:

— E o meu papagaio? Tudo bem com ele?

—Nunca esteve tão maravilhoso – respondi.

Em mais algumas horas, sorridente, ela batia na minha porta. Rápido fiz com que entrasse e a levei para junto do poleiro do novo Marcão. Disse: 

— Aqui está, querida, sua maravilhosa ave, com dois maravilhosos detalhes totalmente surpreendentes.

—Quais? – Ela sorriu.

— Primeiro, você descobrirá que Marcão não chamará mais as pessoas que detesta de veado; segundo, deixou de ser lulista. Eu o eduquei, através de uma baita lavagem cerebral.

—Ah, não tem importância— ela suspirou — é que esse papagaio, antes de vir pra minha casa, morou um tempo com a professora Marilena Chauí.

—Quem?

— Marilena Chauí, da Unicamp, como eu. É aquela que disse, num discurso, que quando Lula fala o mundo se ilumina...

Então me agradeceu pela guarda, pegou o bichinho e foi embora, felicíssima. Acho que cometi o crime perfeito. 

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