sexta-feira, 6 de maio de 2016

Valeu, Doca!

Doca Furtado está indo embora para Aracaju (SE). Vai abrir um boteco próprio por lá, na beira da praia e, tenho certeza, quando bater um banzo, vai pegar o violão e encher de prazer os fregueses. Ouvimos muito o Doca aqui em Campinas. Zezé e eu tínhamos um programa quase sagrado aos domingos dos primeiros anos deste século: almoçar no Deck em Sousas, boteco dirigido pelo amigo Elder Muzetti, onde Doca fazia a tarde fluir cheia de música da boa. Eu tinha uma coluna semanal na revista do Correio, o Farol, e citei Doca várias vezes. A croniqueta que segue abaixo é uma delas, que republico aqui em homenagem a esse formidável músico que parte agora para um novo projeto de vida que, com certeza, lhe trará as mesmas alegrias e prazeres que ele teve e nos ofereceu por essas Campinas. Valeu, Doca!

Domingos musicais


Tem sido gratificante ouvir, tomando um belo chope da Brahma, o cantor Doca Furtado no Deck lá em Sousas. Ele canta aos domingos à tarde e seu horário varia. E varia não por vontade do Elder, zeloso proprietário da casa, mas porque Doca é um artista irrequieto. Parece que para ele cantar é seu jeito de estar no mundo em companhia de seu violão, que harmoniza seu canto e dita seu ritmo. Vai daí que ele chega antes da hora e termina, invariavelmente, muito tempo depois do combinado. O que, convenhamos, é bom para nós, frequentadores do boteco, bom para o Elder, que vê todo mundo pedindo mais um chope ou mais uma cerveja para apreciar as diversas saideiras que Doca emenda, e, tenho certeza, bom para o próprio Doca, cuja felicidade se percebe não só nos aplausos que recebe, mas no próprio prazer de cantar.

Doca é um cantor de bar por excelência, o que não significa que não possa se dar bem num palco com um grupo. Com uma memória prodigiosa, não usa aquele recurso de muitos cantores, que é um caderno com as letras das músicas. Ele, quando não sabe cantar um pedido feito (o que é raro) não se envergonha de dizer “essa eu não faço, é linda, mas eu ainda não aprendi”.

Seu violão é sua outra parte musical: sem olhar para a mão esquerda, encontra todas as posições como se tivesse nascido fazendo aquilo, deixando a impressão para todos que basta colocar alguns dedos sobre as cordas que as posições se completam sozinhas. Já a mão direita é daquelas que fazem o ritmo parecer natural, pois ele flui fácil, quer repercussivo quer dedilhado. Seu repertório é mesclado com sucessos de bar, inevitáveis nessas horas, e músicas quase desconhecidas, mas ótimas, que ele encontra perdidas em discos de Alceu Valença, Belchior, Milton Nascimento, Zeca Baleiro, Jackson do Pandeiro, Gilberto Gil e muitos outros, incluindo aí grandes sambas. Além disso, ele envereda por algumas emboladas que encantam pela rapidez dos versos, pela simplicidade das letras e pela empolgação do ritmo.

Como se trata de um cantor que mistura a técnica e o instinto, o improviso se faz presente e não são poucas as músicas que entram por um caminho diferente, um arranjo porreta tirado na hora, um final esticado ou um novo verso criado por ali mesmo.

Doca não gosta de cantar sozinho. É o que se percebe quando ele, logo do início dos “trabalhos” pergunta por Carlão, seu amigo e percussionista dos bons que adora dar uma canja no Deck. Domingo passado, como Carlão demorasse a chegar, implorou a Elder que, num raro momento, pegou um padeiro e fez o som do Doca ficar mais encorpado. Mas logo Carlão chegou, tomou uma e partiu para o batuque, no que foi coadjuvado por ninguém menos que Ding Dong, que também deu as caras por lá, fazendo a tarde domingueira muito mais prazerosa.

Durante a Copa, Elder vai botar um telão no Deck. Domingo que vem o Brasil joga às 13h. Depois do jogo, tem, claro, Doca Furtado, que vai ficar torcendo não só pela seleção, mas também para o jogo passar depressa que ele quer mais é cantar. 

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