quinta-feira, 7 de junho de 2012

O Jackson do Bosque



O urubu aí da foto é o Jackson. Não sei onde anda o Michael, pois a Lili me falou e eu acabei esquecendo se ele sumiu ou morreu, se é que urubus morrem. Eu nunca vi um morto. Consegui tirar a foto porque ele havia pousado ali por perto e não estava nem aí com a nossa presença. Antes um pouco, a Lili me disse, apontando para o céu, “olha lá o Jackson”. Quem? perguntei. Ela me explicou: "O Jackson é um urubu que ficou meu amigo. Ele aparece quase todas as manhãs quando saio do escritório e venho aqui fora. Antes eram dois, tinha o Michael também..." e contou o que houve com o outro, justamente a parte que esqueci.
Antes que vocês fiquem imaginando um montão de coisas, vou contando tudo de modo mais claro. Lili é a coordenadora do Bosque dos Jequitibás, zoóloga, uma figura simpaticíssima que ama todos os animais, principalmente os do Bosque, que ela cuida com muito carinho, dedicação e competência. Chama todos eles pelo nome – nome que ela deu ou o nome com o qual ali chegaram – e eles atendem, fazem festa ao vê-la. Bem, nem tanto: o hipopótamo olhava apenas de esgueio enquanto tomava sol na manhã de segunda-feira passada. Foi quando o Jackson apareceu por lá, em vôos rasantes.
Sei de tudo isso porque, por conta do trabalho na Prefeitura, tenho ido amiúde ao Bosque, que passa por uma boa reforma no lago. Mas conheço o Bosque há muito, muito tempo.
Na década de 60, num dos anos em que estudei no Culto à Ciência, relaxei de vez. Ao invés de aulas, passeios pela cidade, matinê no Ouro Verde para ver Help dos Beatles, namoro na Lojas Americanas (sim era legal ir na lanchonete da Americanas à tarde) ou fuga para o Bosque, ao lado de um grande amigo à época, o Edu. A gente saía do colégio no Botafogo e ia até o Bosque, que fica, veja você, no Bosque, a pé.
Numa dessas caminhadas, alguma coisa num buraco no tronco de uma árvore nos chamou a atenção. Era um pacote meio amassado, vermelho, que pegamos meio assustados. Reconhecemos de cara: era um pacote de cigarros Marlboro, com sete maços intactos.
Não, você não pode imaginar nossa euforia. Naquele tempo a gente já fumava e comprava, quando o dinheiro dava, um maço de Minister, que repartíamos em dois ou três, dependendo de quantos tinham colaborado na vaquinha. Minister era um dos cigarros brasileiros mais caros. Mas o charme mesmo, o grande tchan, era fumar cigarro importado, tivesse o gosto que tivesse... De vez em quando, alguém aparecia no colégio com um maço importado e todos os fumantes – e acho que os não fumantes também - ficavam sabendo.
Naquela época, importar qualquer coisa – mesmo sem similar no Brasil – era permitido apenas para os mais ricos. Na alfândega, o produto importado já ganhava uma taxa adicional de uns 400% sobre seu valor em dólar. Depois tinha o dólar subindo todo dia, o lucro do intermediário, a propina para o agente do governo e o preço ia às nuvens. Por causa dessa “política” o Brasil construiu carroças no lugar de automóveis por décadas e por causa dela também, entre muitas outras coisas, até 1997, 98, por aí, uma linha telefônica custava até cinco mil dólares. Alguns ficaram milionários com essa “política” e o Brasil se atrasou por séculos. Por isso, ter um maço de cigarros importados no bolso era sinal de status. Repartimos os maços do pacote encontrado na rua: três para cada um e o que sobrou, fomos fumando a caminho do Bosque.
Lá chegando, descemos a rua principal e entramos no restaurante chinês. Ou era japonês? Bom, eu sei que tinha um belo restaurante por lá e o dono tinha os olhos orientais. Uma Coca-Cola pra cada um, um descanso num dos bancos e uma lenta caminhada pelas alamedas sombreadas, admirando os bichos, contando histórias e fazendo planos para o futuro. Futuro que ia ter de esperar um pouco mais: naquele ano, por conta de tantas faltas, levei uma sonora bomba e tive de fazer de novo a quarta série. Mas acho que foi bom, pois foi na 4ª E do Culto à Ciência, em 1967, que tomei gosto de vez pelos estudos.

3 comentários:

  1. Muito bom ter a oportunidade de ler textos tão envolventes e deliciosos...
    Parabéns! Lembrei dos meus passeios no Bosque. Criança e, tempos depois, levando as crianças (euzinha e meu amado filho)para tomar sorvete, passear de trenzinho, ver a preguiça imóvel em uma árvore perto das lanchonetes, ver os animais... e os babuínos? Nossa! Até hoje eu e meu filho rimos muito quando lembramos da nossa história com eles. Ele não acreditava muito quando eu contava o que tinha acontecido na época em que ele ainda estava quietinho em meu ventre. Até que um dia eu resolvi levá-lo até os babuínos e, depois de alguns minutos, a cena se repetiu. Ele assustado e rindo muito tentou sair correndo, tropeçando em seus pequenos passos. Amei relembrar e reviver esses momentos. Obrigada! Sucesso garantido na internet, o “Blog do Ed”. Beijusss

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  2. Devidamente lida. Lembrança da primeira vez que cabulei aula pra passar umas horas no bosque. Eu comecei mais tarde, no colegial. Mas tomei gosto. Me senti adulta, dona do mundo. Vivere periculosamente.

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  3. Gerações diferentes e um bosque no meio. Não cheguei a matar aula, nerd que era, mas passei muitos intervalos ou "janelas" das aulas do colégio Pio XII no bosque...hehehe...gostei de relembrar, ótimo texto! Bjos, tio!

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