quinta-feira, 16 de maio de 2013

Coincidências acontecem

Edmilson Siqueira

Antonio Contente, com quem divido essas bissextas crônicas, já foi cronista de outros jornais. Em suas histórias, onde ele revelava um universo que beirava o rodriguiniano, mas com uma dose de humor que o aproximava mais da, digamos, galera, costumava colocar nos personagens nomes de amigos em situações as mais incríveis. Claro que era ficção, mas sempre dava alguma gostosa encrenca que o dono do nome sublevava, talvez motivado pela fama repentina no círculo de amigos ou mesmo pela façanha que o xará praticou nos enredos mirabolantes que o cronista criava.
Claro que essa introdução é para contar a história de uma crônica que tem como personagem principal um tal de Edmilson, casado com uma tal de Eurídice - nome da minha mulher à época. Não vou repetir aqui a crônica toda, mas só seu miolo: na história do Contente, meu xará abandona a mulher oficial para fugir com a empregada, uma mulata pra quatrocentos talheres, como diria Stanislaw Ponte Preta, o grande Sérgio Porto, outro ídolo meu e do Contente.

Na época Contente publicava suas crônicas na Folha da Tarde, vespertino que tentava competir com o Jornal da Tarde. E tanto um como outro, embora tivesse a palavra “tarde” no nome, estavam nas bancas cedinho, junto com outros matutinos.
Quando a crônica aportou nas páginas do jornal, minha então sogra realizava um trabalho de cooperação entre o Brasil e Angola, ela que era engenheira de alimentos e havia se prontificado a ensinar técnicas de panificação e outras para a incipiente república popular angolana, recém-libertada do colonialismo português e mergulhada num caos que só os regimes de esquerda conseguem construir, mas isso é outra história.

Pois minha sogra pediu, por telefone, ao seu irmão que morava em São Paulo, que lhe enviasse umas panelas, artigo raro por lá. Ele prontamente atendeu. Comprou as ditas cujas e resolveu embrulhá-las melhor, para enfrentar o longo voo da Varig entre Sampa e Luanda, sem que chegassem amassadas na capital angolana. E, para tanto, comprou, na banca de jornal mais próxima e já dentro do aeroporto, o primeiro exemplar que suas mãos alcançaram. Era uma Folha da Tarde. Usou-a inteira para embrulhar cuidadosamente cada panela dentro da caixa.
Devidamente seguras, as panelas seguiram para Luanda. Dia seguinte, minha sogra pegou o pacote no aeroporto de Luanda e levou para casa. Lá chegando, ao abrir a caixa, se deparou com uma edição inteira de um jornal brasileiro o que, naquela ocasião, era um tesouro! Cabe aqui explicar que estamos no início dos anos 1980, quando um telefonema entre Luanda e Campinas demorava horas para se concretizar, pois a ligação era feita para Portugal via cabo marítimo e, de lá, até Luanda via rádio. Internet, se já existia, era restrita ainda às universidades europeias e norte-americanas.  Como o regime de lá era uma ditadura de esquerda, não havia imprensa livre e notícias, além das oficiais, não chegavam a ninguém.  Daí que uma Folha da Tarde inteirinha para uma brasileira perdida na África era realmente um tesouro.

Pois ela esqueceu-se das panelas e passou a devorar o jornal. Leu tudo, das manchetes à penúltima página. Penúltima? Pois é. Na penúltima página é que estava publicada exatamente a crônica do Contente, onde o tarado do Edmilson foge com a fogosa empregada mulata de 400 talheres. Ali ela parou a sequência de páginas. E leu de novo pra se certificar dos nomes e fatos. Em seguida pegou o telefone e rapidamente pediu uma ligação para o Brasil, mais precisamente para Campinas.
Eu me lembro que quem atendeu foi a filha dela que, depois de responder duas ou três vezes que estava tudo bem, me perguntou sobre uma história que saiu num jornal, escrita por um tal de Antonio Contente, sobre um tal de Edmilson casado com Eurídice que havia fugido com a empregada. Eu nem tinha lido a crônica, nem ele tinha me avisado que usara nossos nomes. Aliás, nem empregada tínhamos.

Desfeito o engano, demos boas risadas. Mas, pensando bem, qual é a chance de uma crônica publicada num jornal de São Paulo ir parar nas mãos de uma mulher no meio da África e ela ter uma filha e um genro com os nomes usados pelo cronista numa história que ele inventou? Deve ser mais fácil acertar na Mega-Sena fazendo só um joguinho de seis dezenas.

2 comentários:

  1. Caraca! Realmente incrível 'coincidência"!!! rsrs

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  2. Realmente, foi uma coincidência e tanto. Mas essa história de colocar nome de amigos em crônicas todo cronista faz. Nélson Rodrigues, que Edmilson cita no seu comentário, escrevia no jornal O Globo, anos 60, onde eu era copidésque. Ele era useiro e vezeiro em nomear personagens pegando colegas da redação. Um dia apareceu em sua história uma tal de Olinta, mulher fatal que devorava homens, nome absolutamente improvável para alguma Messalina. Mas tratava-se de um grande amigo do cronista, também colega de redação, cujo nome era (morreu faz uns dois anos) Antonio Olinto, depois membro da Academia Brasileira de Letras. Por coincidência, meu nome também é Antonio Olinto...

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