Antonio Contente, com quem divido essas bissextas crônicas, já foi
cronista de outros jornais. Em suas histórias, onde ele revelava um universo que
beirava o rodriguiniano, mas com uma dose de humor que o aproximava mais da,
digamos, galera, costumava colocar nos personagens nomes de amigos em situações
as mais incríveis. Claro que era ficção, mas sempre dava alguma gostosa
encrenca que o dono do nome sublevava, talvez motivado pela fama repentina no
círculo de amigos ou mesmo pela façanha que o xará praticou nos enredos mirabolantes
que o cronista criava.
Claro que essa introdução é para contar a história
de uma crônica que tem como personagem principal um tal de Edmilson, casado com
uma tal de Eurídice - nome da minha mulher à época. Não vou repetir aqui a crônica toda, mas só
seu miolo: na história do Contente, meu xará abandona a mulher oficial para
fugir com a empregada, uma mulata pra quatrocentos talheres, como diria
Stanislaw Ponte Preta, o grande Sérgio Porto, outro ídolo meu e do Contente.
Na época Contente publicava suas crônicas na Folha da Tarde,
vespertino que tentava competir com o Jornal da Tarde. E tanto um como outro,
embora tivesse a palavra “tarde” no nome, estavam nas bancas cedinho, junto com
outros matutinos.
Quando a crônica aportou nas páginas do jornal, minha então
sogra realizava um trabalho de cooperação entre o Brasil e Angola, ela que era
engenheira de alimentos e havia se prontificado a ensinar técnicas de
panificação e outras para a incipiente república popular angolana, recém-libertada
do colonialismo português e mergulhada num caos que só os regimes de esquerda conseguem
construir, mas isso é outra história.
Pois minha sogra pediu, por telefone, ao seu irmão que
morava em São Paulo, que lhe enviasse umas panelas, artigo raro por lá. Ele prontamente
atendeu. Comprou as ditas cujas e resolveu embrulhá-las melhor, para enfrentar o
longo voo da Varig entre Sampa e Luanda, sem que chegassem amassadas na capital
angolana. E, para tanto, comprou, na banca de jornal mais próxima e já dentro
do aeroporto, o primeiro exemplar que suas mãos alcançaram. Era uma Folha da
Tarde. Usou-a inteira para embrulhar cuidadosamente cada panela dentro da
caixa.
Devidamente seguras, as panelas seguiram para Luanda. Dia
seguinte, minha sogra pegou o pacote no aeroporto de Luanda e levou para casa.
Lá chegando, ao abrir a caixa, se deparou com uma edição inteira de um jornal
brasileiro o que, naquela ocasião, era um tesouro! Cabe aqui explicar que
estamos no início dos anos 1980, quando um telefonema entre Luanda e Campinas
demorava horas para se concretizar, pois a ligação era feita para Portugal via
cabo marítimo e, de lá, até Luanda via rádio. Internet, se já existia, era
restrita ainda às universidades europeias e norte-americanas. Como o regime de lá era uma ditadura de esquerda,
não havia imprensa livre e notícias, além das oficiais, não chegavam a ninguém.
Daí que uma Folha da Tarde inteirinha para
uma brasileira perdida na África era realmente um tesouro.
Pois ela esqueceu-se das
panelas e passou a devorar o jornal. Leu tudo, das manchetes à penúltima
página. Penúltima? Pois é. Na penúltima página é que estava publicada exatamente a crônica
do Contente, onde o tarado do Edmilson foge com a fogosa empregada mulata de
400 talheres. Ali ela parou a sequência de páginas. E leu de novo pra se certificar dos nomes e fatos. Em seguida pegou o telefone e rapidamente pediu uma ligação para o Brasil, mais
precisamente para Campinas.
Eu me lembro que quem atendeu foi a filha dela que, depois
de responder duas ou três vezes que estava tudo bem, me perguntou sobre uma
história que saiu num jornal, escrita por um tal de Antonio Contente, sobre um
tal de Edmilson casado com Eurídice que havia fugido com a empregada. Eu nem
tinha lido a crônica, nem ele tinha me avisado que usara nossos nomes. Aliás,
nem empregada tínhamos.
Desfeito o engano, demos boas risadas. Mas, pensando bem,
qual é a chance de uma crônica publicada num jornal de São Paulo ir parar nas
mãos de uma mulher no meio da África e ela ter uma filha e um genro com os
nomes usados pelo cronista numa história que ele inventou? Deve ser mais fácil acertar
na Mega-Sena fazendo só um joguinho de seis dezenas.
Caraca! Realmente incrível 'coincidência"!!! rsrs
ResponderExcluirRealmente, foi uma coincidência e tanto. Mas essa história de colocar nome de amigos em crônicas todo cronista faz. Nélson Rodrigues, que Edmilson cita no seu comentário, escrevia no jornal O Globo, anos 60, onde eu era copidésque. Ele era useiro e vezeiro em nomear personagens pegando colegas da redação. Um dia apareceu em sua história uma tal de Olinta, mulher fatal que devorava homens, nome absolutamente improvável para alguma Messalina. Mas tratava-se de um grande amigo do cronista, também colega de redação, cujo nome era (morreu faz uns dois anos) Antonio Olinto, depois membro da Academia Brasileira de Letras. Por coincidência, meu nome também é Antonio Olinto...
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