terça-feira, 21 de julho de 2015

Estamos de volta!

(Antonio Contente e eu decidimos retomar esse blog só de crônicas que havíamos deixado sem postagem há quase um ano. E recomeçamos com uma crônica do jornalista nascido no Pará, publicada recentemente no Correio Popular, onde ele faz bela homenagem a uma grande escritora.  Ah, o blog continua aberto a quem quiser publicar crônicas.)



A Escritora

Antonio Contente

Uma coisa absolutamente óbvia, porém pouco observada, é que o todo de nossas existências é formado por pequenas vidas que nos envolvem. Acho que seria certo dizer que da maternidade ao final, somos personagens de um grande painel feito de acontecimentos autônomos a formatar a história completa.

Quem já não se descobriu a fazer comentário como esse: “Ah, experimentei bela emoção; valeu por uma vida”. Meus primeiros tempos de Campinas, por exemplo, começaram quando eu mal entrara na casa dos 20 anos. E hoje, tantos anos passados, vejo que foi algo com princípio meio e fim; embora o derradeiro, o geral fechar de cortinas ainda não tenha chegado.

Dos iniciais tempos campineiros, o que lembro? Muitas coisas. Emocionantes algumas, ternas outras, terceiras nem tanto, porém todas pintadas de forma que vale a pena recordar. Uma das mais marcantes, certamente, foi ter conhecido a escritora.

Ocorreu assim: como eu era amigo de sua filha, de vez em quando aparecia pro cafezinho num simpático sobrado na Rua Guilherme da Silva, Cambuí. Certa manhã, sentado na sala, escutei um “plec, plec, plec” a bater; reconheci imediatamente que se tratava de máquina de datilografia com as quais, como estudante de jornalismo na Cásper Líbero, começava a ter intimidades. Perguntei à amiga quem é que batucava. “Minha mãe”, ela respondeu. “E escreve o quê?”, segui, curioso. “Um livro”, foi a resposta. “Livro?” Levantei as sobrancelhas. “Romance”, fechou a informação.

Daí em diante ouvindo o “plec plec” sempre que aparecia para visitas, soube que a escritora todos os dias, às cinco da manhã, já estava na sua maquininha. Daí seguia com os dedos nas teclas até pouco antes do almoço; uma vez que, após o meio-dia, precisava sair para cumprir atividade como funcionária pública. Minha curiosidade sobre o que redigia foi natural. Todavia, mesmo tendo visto de perto várias vezes a autora, certamente tolhido pela diferença de idades que antigamente tinha certa força, nunca perguntei nada. Só a olhava, com secreta admiração.

Depois desse período de mais ou menos um ano a frequentar Campinas, cidade pela qual me apaixonei, tendo terminado o curso de jornalismo em São Paulo precisei começar a batalhar.

Primeiro andei pelo Rio, depois tornei à Capital paulista e os anos foram correndo. Um dia eu estava fora do país a trabalho quando recebo um pacote, pelo Correio. Era um livro, com o seguinte bilhete: “Aí segue o resultado do ‘plec plec plec’ que você ouvia em minha casa, em 1959”. Quem assinava era a minha amiga, filha da escritora. Assim foi que, sofregamente, li o romance Natal Solitário, esplêndido, história emocionante, maravilhosa; aliás, premiado pela Academia Brasileira de Letras.

Mais algum tempo e volto a frequentar Campinas; a casa da amiga, agora, era um enorme apartamento. Em certa manhã, lá escuto outra vez o “plec plec plec”. A informação veio em cima, antes mesmo que eu perguntasse: “É, minha mãe já está batucando outro”. E ainda mais adiante no tempo, agora novamente numa grande casa, o barulhinho da máquina de datilografar acabou sendo a canção que ouvia curioso e atento, em dias de visita.

Assim, de “plec plec” em “plec plec”, saíram vários romances, além do que cito acima. Lembro neste instante de pelo menos mais três: "Céu Escuro", "Ana e O Órfão" e a "Mulata", todos ótimos, premiados. Enquanto isso, a autora se tornou a primeira mulher e entrar para a Academia Campinense de Letras (ACL) e a primeira campineira a ser premiada pela Academia Brasileira de Letras (ABL).

Na administração municipal sempre ocupou cargos inseridos no universo próximo às suas atividades de intelectual, como diretora de Cultura da Prefeitura e diretora do Teatro Municipal.

Mas o pano do último ato da bela e longa vida da escritora e poeta só se fechou no último dia 19 de junho, quando faleceu. Tinha 102 anos, cujas muitas vivências transformou em livros não só de prosa, mas também poesias.

Foi filha de fazendeiro de café dos velhos tempos e o que observou entre terreiros e plantações está nas obras que deixou. Quando jovem, tocava piano, todavia, aos poucos, substituiu as "Valsas" e "Noturnos" de Chopin, que gostava de dedilhar, pelo “plec plec” das máquinas de escrever. Felizmente, é claro.

No dia 20 deste junho que finda, manhã fria porém luminosamente bonita, vi a personagem desta crônica ser sepultada, no Cemitério da Saudade. Lá estavam Zezinha, a filha, minha amiga de tantos anos, mais Clirian e Spencer, seus irmãos. E muitos parentes e admiradores.

Quando certas pessoas especiais como foi a escritora e poeta Maria José de Moraes Pupo Nogueira morrem, diziam antigamente, começam a subir. E sobem, e sobem, e sobem... Por fim, se transformam em estrelas.

3 comentários:

  1. Voltaram bem! Agora preciso correr atrás desses livros! Vou ler e lembrar dessa crônica! Abraços!!!

    Marcos Guilherme

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    1. Caro Marcos: os livros da Zeza estão esgotados. Mas como acho importante que você pudesse lê-los, entre em contato com a Zezinha, simpática figura, filha da escritora. O e-mail dela é zezanog@gmail.com. Abraços.

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