terça-feira, 4 de agosto de 2015

Os suspiros no silêncio


Antonio Contente


Cássia e Leala, ambas lindíssimas, eram duas amigas que moravam juntas dividindo o aluguel de um quarto e sala no Centro. Foi num sábado quando as duas curtiam o fim de semana que Cássia, tendo saído para trocar pernas pelo shopping, à tarde, voltou para casa no começo da noite, excitadíssima. Disse para a companheira de morada, mal entrou:

— Acabo de conhecer o homem da minha vida!

A outra, que estava até meio distraída, levantou a vista do romance Sombras da Primavera, de Keila Gom, que começara a ler:

— Como é que é?

— Acabo de conhecer o homem da minha vida!

Daí detalhou que sentara na Praça da Alimentação para um lanche quando notou que estava sendo observada. O rapaz encontrava-se na mesa ao lado com dois imensos olhos azuis, intensamente azuis, da cor de um total e acabado céu de brigadeiro, cravados nela. E então, completamente tomada pela beleza do sujeito, se viu prestes a concluir que se ele não se manifestasse, ela mesma iria falar-lhe.

— Mas o cara era mesmo bonito? — Leala quer saber.

— Bonito? Você sabe o Brad Pitt ou o Tom Cruise, não sabe? Pois bem, os dois, perto dele, eram o ex-presidente Lula com sua eterna cara de bebum brega.

Cássia segue contando que a troca de olhares se tornou algo, pelo menos para ela, quase insuportável. Até que, de repente, o camarada levanta e aponta a cadeira vaga na mesa que a fulaninha ocupava.

— Bom — Leala interrompe — apontou a cadeira para perguntar se podia sentar, certo?

— Certo. Só que não perguntou nada. Sentou, retirou do bolso interno do paletó um caderninho de notas e escreveu: “Desculpe, mas eu sou mudo”.

— Meu Deus! — A outra arregala os olhos.

Cássia então prossegue contando que, na base das mensagens escritas, conversaram horas. E que sentia estar começando a viver um grande, um imenso amor.

Bom, nos dias que seguiram ela e Moura — este era o nome do galã — de fato continuaram a se encontrar, sempre a “falar” com os bilhetes trocados cara a cara ou mensagens que a internet possibilitava. E se passam vários dias. Por fim naquela tarde em que saíram do discreto motel na estrada, após impecáveis instantes d’amor, foram comer alguma coisa num restaurante perto.

Ali, de repente, movida sabe-se lá por qual tipo de impulso, Cássia pega o bloco através do qual se comunicavam e indaga, com todas as letras: “Você, por acaso, não é casado?”. Perguntou e, ao mesmo tempo, se arrependeu, pois o bonitão ficou pálido. Tentou escrever alguma coisa, só que as mãos tremiam. Agita-se na cadeira.

O que haviam pedido para comer nem chegara, porém o rapaz, levantando, larga sobre a mesa duas notas de 100 reais e sai. Pega o carro estacionado logo ali; some, rangendo pneus.

A noite caíra quando Cássia chegou ao apartamento com os olhos vermelhos de tanto chorar. Leala se derrama:

— O que foi que aconteceu, menina?

— Ele... Ele... — Ela tenta falar.

— Ele o que?

— O Moura...

— O que tem o Moura?

— Descobri que é casado!

Daí em diante a paixão se desdobrou em angústia e desespero. Sem conseguir trabalhar, Cássia, que estava com férias vencidas, resolveu pedir o benefício. Leala até ponderou com um “mas você pretende ficar em casa curtindo essa fossa”? A outra primeiro a olhou longamente pro nada. Após gemeu, arrancando a frase do mais fundo do coração: “Vou esperar que Deus me ajude a morrer”.

Bom, mas não morreu e, aos poucos, a passagem dos dias começou a cicatrizar a ferida. Recomeçara a sair para um cineminha, um passeio pelas ruas do comércio central, um cafezinho nas esquinas da vida.

Até que, naquela noite, batem na porta do pequeno apartamento das moças, era o porteiro do prédio tendo nas mãos um envelope. Pelo sobrescrito Cássia logo reconhece a letra de Moura. Olhando nos olhos de Leala, diz:

— É dele.

Rapidamente abre para dar de cara com um bilhete e uma fita cassete das antigas que sumiram do mercado com a chegada dos CDs. A mensagem dizia: “Espero que você ache onde possa ouvir esta fita. Poderia enviar um pendrive, mas gosto do suspense. Nela explico tudo”.

Há longo silêncio entre as duas amigas. Cássia de pé, com a vetusta fita entre os dedos. De repente diz, balançando a coisa no ar:

— Só faltava essa, pelo jeito o Moura, além de casado, fala! Você já pensou se a voz dele, lindo do jeito que é, for igual à do Cid Moreira no tempo em que fazia o Jornal Nacional? Aí é que a paixão vai me matar...

Vira-se então, com gesto rápido, e atira a fita pela janela do décimo quinto andar em que moravam. Isso feito sentiu como se tirasse um enorme peso, do coração e da alma. E sorriu como se um passarinho cantasse dentro do seu peito.

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