Edmilson Siqueira
Comprei hoje o livro “A Noite do Meu Bem – A História e as Histórias do Samba-Canção” de Ruy Castro. Li, enquanto sorvia um café perto da livraria, ali no Shopping Iguatemi, o prólogo com umas 15 páginas que prepara o leitor, de modo magistral, para entrar no clima em que o samba-canção invadiu corações e mentes do Rio de Janeiro e que perduraria por duas décadas mais ou menos.
Ruy Castro sabe contar histórias verdadeiras. Fidelíssimo a
tudo que pesquisa, seu texto se incumbe de dar aos fatos um sabor de novidade
inesperado, transformando em saborosos quitutes histórias que, mesmo se conhecendo, surpreendem a cada linha.
Entrevistei Ruy Castro em março de 1993, aqui em Campinas, na
livraria Letras e Arte, que ficava entre o City Bar e o Paulistinha, para o
lançamento de “O Anjo Pornográfico”, magnífica biografia de Nelson Rodrigues. À
época ele estava escrevendo a biografia de Mané Garrincha e me falou algumas
coisas sobre ele. E já havia escrito “Chega de Saudade - A História e as
Histórias da Bossa Nova”. Escrevendo sobre a bossa nova e seus geniais criadores, a vida e o
teatro de Nelson e a vida e o futebol de Garrincha, Ruy produziu material
inestimável para a cultura brasileira. E ele escreveu muitos outros - e ótimos –
livros.
A entrevista feita há 22 anos foi manchete do Caderno C do
Correio Popular no dia seguinte e Jary Mércio, meu "editor-chefe”, tascou a
manchete: “Ruy Castro dorme com seus personagens”. A frase, dita de outra
maneira, era do próprio Ruy que havia contado que, após coletar todas as informações
possíveis sobre seus personagens, se isolava de tudo e de todos para escrever,
só pensando no texto, dia e noite.
A capa interna do livro é recheada de anúncios das casas noturnas cariocas dos anos 40 e 50, quando o samba-canção reinava absoluto |
Pois esse livro, cujo personagem principal é o samba-canção,
deve ser parecido com o da bossa nova, com pequenas e deliciosas biografias dos
compositores e de toda aquela gente que contribuiu, de um modo ou de outro,
para a explosão e a permanência do gênero por tanto tempo na produção musical
brasileira. A diferença talvez esteja no sucesso que a bossa nova alcançou no
mundo (até hoje, por sinal) enquanto que o samba-canção ficou mais restrito ao
Brasil, mas deve ter vendido muito mais disco por aqui. Só que ainda não sei. Escrevo
esses comentários ao sabor de um prólogo que me encheu de expectativas para ler
o resto – e olha que o samba-canção, embora aprecie muitas obras primas do
gênero, não está entre os tipos de música que mais admiro.
Mas sei que, além de ficar sabendo de tudo que o
samba-canção fez nos corações e mentes de mais de uma geração de cariocas – e brasileiros
em geral – terei, no livro, um panorama do Brasil dos anos 1940/50 e parte dos
60 que poucos historiadores poderiam oferecer. Não em detalhes históricos
próprios de debates acadêmicos, mas nos fatos que se transformaram em canções,
nos cenários que inspiraram os autores, nas fossas todas de onde saíam as
letras e nas outras fossas que elas causavam.
Logo de cara, ainda no prólogo, Ruy derruba um mito: o de
que o presidente Eurico Gaspar Dutra acabou com os cassinos a pedido de sua
mulher, cujo apelido, não por acaso, era Dona Santinha. Dutra foi atrás de
popularidade e ouviu conselhos de gente bem próxima dele que, se proibisse, o
povo o apoiaria. Os conselhos foram de seu ministro da Justiça, Carlos Luz, que tinha contra os cassinos broncas morais
e religiosas. Mas isso é só um exemplo da riqueza histórica que qualquer livro
de Ruy Castro nos proporciona.
Por isso, nos próximos dias, apaziguando minh’alma dos
tremores políticos, dos incêndios diários em Brasília, dos discursos inflamados
de imbecis consagrados pelo voto, terei o bálsamo de viajar por um Brasil que,
tenho certeza, era bem melhor que o atual: o Brasil do samba-canção que
antecedeu o Brasil da bossa nova, um tempo em que, conforme o próprio Ruy
escreveu na dedicatória que me fez no Chega de Saudade, “o Brasil ia
para o Primeiro Mundo”. O grifo no verbo foi dele.
Se o livro for tão bom quanto o seu comentário, é um "arraso", na certa.
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