Antonio Contente
Foi então que, meio na fossa, resolvi, naquele Verão, ir
para uma cidadezinha na região de Serra Negra para procurar, como se dizia
antigamente, meu eixo. Instalei-me numa pousadinha barata e, em poucos dias,
estava relativamente bem inserido num pequeno grupo que, todo fim de tarde, ia
tomar drinques no “Ponto Chic”. Eram cinco ou seis aposentados,
simpaticíssimos, que adoravam comentar sobre as fofocas do lugarejo. O que me
ajudou a entrar para o grupo foi que dois dos camaradas eram leitores da coluna
diária que eu então escrevia num jornal da capital, com desenho da minha cara
feito pelo lendário e genial Otávio junto ao meu nome. Com as línguas sempre
mais soltas depois da terceira pinga, falavam mal do prefeito, desancavam o
juiz e faziam sérias restrições ao pároco. Nada mais típico.
Foi na terceira tarde do convívio esplêndido que vi, pela
primeira vez, a moça. Ela vinha vindo com um vestido fresco sobre o corpo
exato, os cabelos curtos tocados pela brisa e um perfil, no mínimo, de madona. Percebendo
que todos se calaram quando passou, mas sentindo que de cada olhar saia uma
chispa de desejo indaguei, meio a medo: - Quem é?
- Florinha, a mulher do boticário.
A cena se repetiu nas tardes seguintes, e eu também acabei
tomado pela presença da moça, a ponto de, numa das vezes, ter sentido o perfume
que vinha dela. Rosas. Ela, pura e simplesmente, exalava aroma de rosas. Ao contrário
da canção de Cartola roubava, no bom sentido, o cheiro das pétalas.
- Florinha... — suspirei um dia.
- Cuidado, é a mulher do boticário.
Na continuação fui captando, em frases soltas da turma,
algumas informações. Uma delas: o marido curtia pela esposa uma dessas paixões
arrebatadoras. E ela pôr ele, segundo todos imaginavam, pois “seu” Fadul, o tal
boticário, não só tinha boa estampa como também era uma espécie de paradigma da
sociedade local, pela seriedade etc. etc.. Certo dia embalado pela terceira pinguinha,
caí na besteira de perguntar se Florinha nunca... Imediatamente fui fuzilado
pelo olhar de todos.
- Seríssima – um gemeu.- Mais do que santa – outro acrescentou.
Numa sexta-feira parti para reservado pesqueiro estrada acima, quase na divisa com Minas. Ao regressar, com meu eixo já devidamente em ordem, desabei no “Ponto Chic” para me despedir da turma. Fui então informado, pelo dono do bar, que há dois dias eles não apareciam. Indaguei se havia algum problema, e a resposta não poderia ter sido mais objetiva:
- Dona Florinha.
- O que aconteceu?
- Ela fugiu com um viajante que estava hospedado no Hotel
Marechal.
- E quem era o galã?- Um vendedor. Um tal de Fernando...
O curioso foi que, com bilhete comprado para voltar pra
Campinas na manhã seguinte, não consegui fazê-lo. Algo dentro de mim inflava
dizendo que deveria esperar a rapaziada do boteco reaparecer. Tanto que, no fim
daquela tarde, me plantei na cadeira de sempre, junto da porta. Fiquei sozinho,
porém tinha a impressão que, a qualquer momento, a moça da tarde reapareceria
com o vestidinho leve sobre o corpo lindo, deixando no ar o impressionante
cheiro de rosas que, admiti, deveriam ser necessariamente vermelhas.
Finalmente, no terceiro dia, meus camaradinhas reapareceram,
cada um com a expressão mais lúgubre do que o outro. E enquanto ali estivemos,
até o começo da noite, não ocorreu o menor ou mais exíguo comentário sobre a
fuga da maravilhosa mulher do boticário. Porém, em todo o mundo, então, não
havia ninguém que se pudesse sentir mais corneado do que todos nós. Voltei para
Campinas com o eixo novamente fora do lugar.
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