quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O primeiro jornal a gente não esquece

Edmilson Siqueira

Acabei de escrever um post sobre o Jornal da Tarde que nos deixou nesta semana e já tenho assunto para outro post na mesma linha: no próximo domingo chega às bancas a última edição impressa do Diário do Povo, o jornal que mais tempo viveu em Campinas. Justamente nesse 2012 ele faria – ou já fez – 100 anos. Um século no qual passou por todas as fases possíveis da imprensa, do velho chumbão à era da informática.
Eu entrei nele em 1977, pelas mãos do advogado Antonio Augusto Chagas, amigo de Romeu Santini que era diretor de Redação à época. A sede – redação, oficina, tudo – ficava ali na César Bierrembach, entre a Dr. Quirino e a Luzitana, ao lado do Sindicato da Fepasa. A redação tinha 3 telefones, mais um exclusivo do diretor. Ficavam numa bancada e a gente pegava o que estivesse livre. Quando tocavam, quem estivesse mais perto atendia. De terça a domingo ele era feito no chumbão mesmo. De segunda havia uma edição extra em offset.  
Não era jornalista, quer dizer, não tinha diploma, mas me virei bem. Tanto que um mês depois de entrar, comecei a cobrir política que, naqueles anos de “abertura” – o general de plantão, Ernesto Geisel dizia que havia uma distensão política, lenta e gradual, no seu governo – era a principal editoria, depois da de Esportes, claro.
Entrava por volta das 13h, pegava a pauta que haviam deixado na minha máquina de escrever e ia pra Prefeitura. Voltava no começo da noite e, duas vezes por semana, escrevia até às 20h e voltava à Anchieta 200, só que agora no espaço da Câmara de Vereadores para cobrir a sessão. Tivesse ou não sessão, eu era ó último repórter a sair, onze e meia, meia-noite, por aí. Dia seguinte tinha curso de Sociologia na Unicamp, quarto semestre. Durou um mês a aventura de ir dormir à uma da manhã e chegar na Unicamp às oito. Como precisava trabalhar, deixei o curso de lado. Entrei na PUCC só em 81 e aí conclui o curso de Jornalismo.
Essa minha primeira passagem no Diário durou pouco também. Uma revista nova, de Jundiaí, sobre economia, queria se expandir para a região de Campinas e me contratou. Fiquei quase dois anos por lá. Mas o Diário foi o início de tudo. Conheci Zaiman, Gilberto Prato (Betoca), Flávio Lamas, Cidinha,  Saviani, Contente, Graça Caldas, Neldo, Nerivelton, Marciano, Nelson Chinaglia, Teresa (nem todos do Diário) e outros que não me lembro, nesses poucos meses que passei por lá em 1977. Foi minha escola real inicial, eu que nunca havia sequer entrado numa redação. Foi ali que tomei contato com laudas, pautas, negativos, fotos, matérias, retranca, reportagem, coletiva, exclusiva, em off, em on, chumbão, offset, abre, lead e toda a linguagem atinente à profissão.
Ao Diário, que se vai centenário, devo as primeiras lições, as primeiras matérias assinadas, os primeiros cacoetes, as primeiras responsabilidades de derrubar uma autoridade apenas com uma reportagem bem feita.
Mas devo muito mais. Em novembro 1982 deixei a reportagem da Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes) e voltei para o Diário do Povo, então já instalado no prédio do falecido Jornal de Hoje, ali no Trevo da Anhanguera. Fui contratado como editor. Fazia Nacional e Economia até por volta das 20h e depois ia pra “mesa de fechamento” ajudar na edição local. Cesinha, Marcos Vinicius, Serginho e eu pegávamos a produção diária dos repórteres para enfiar nas páginas locais. Além disso, eu passei a assinar uma coluna que revezava com Zeza Amaral – três dias da semana ele, três dias eu.
Essa segunda passagem foi muito gratificante. Além de aprender a editar – nós mesmos diagramávamos, o jornal vivia numa pindaíba de dar dó e nem tinha diagramador – ter uma coluna tri-semanal foi do cacete. Ali eu podia escrever o que quisesse, a censura era só a do regime militar que estava nos estertores. Em 1984 houve a campanha das Diretas Já, com o Brasil inteiro se mobilizando para que uma emenda que determinava eleições diretas para presidente na sucessão do último general (João Figueiredo) fosse aprovada no Congresso. Escrevi várias colunas sobre o assunto e a última foi convocando todo mundo para o Largo do Rosário, para um ato de vigília no dia da votação da emenda em Brasília.
Mas a ditadura ainda estava forte. Fecharam Brasília e ninguém podia noticiar, por rádio ou televisão, o que estava ocorrendo por lá. E Largo do Rosário lotado para comemorar a volta das eleições diretas,  sem saber o que estava acontecendo na capital do país. Só que as agências de notícias – Estado, Folha, JB – estavam abastecendo os jornais normalmente. As rádios locais estavam proibidas de noticiar qualquer coisa referente à votação, mas os jornais – que só iam sair no dia seguinte – estavam recebendo tudo. Foi aí que alguém teve a ideia de fazer uma ligação direta entre a redação do Diário do Povo e o equipamento de som armado no palanque do Largo do Rosário. Botaram um rádio e um microfone ao lado das máquinas que recebiam as notícias e aí surgiu outro problema: quem iria falar no microfone da Redação para o povo do Largo do Rosário? Naquele momento eu era o único ali que tinha trabalhado em rádio. Sobrou prá mim, claro. E fomos à luta: separávamos as notícias que chegava das agências e as transmitíamos para o Largo. No retorno do som do largo eu percebia a reação de aplauso ou vaia às notícias transmitidas. A cada novo deputado ou senador que chegava e anunciava voto a favor das diretas, todo mundo aplaudia. Quando a notícia era contra a emenda dava para ouvir não só a vaia, mas alguns palavrões também.
Até que anunciei, por volta das 22h, o resultado da votação: a emenda Dante de Oliveira, das Diretas Já, havia sido derrotada pelo plenário e seria arquivada. Eu frequentei muito campo de futebol na vida, mas jamais tinha ouvido, de uma só vez, tanto palavrão quanto no momento em que dei a notícia.

No dia seguinte o jornal fez uma reportagem sobre o “furo” que demos na censura e até eu fui entrevistado sobre o papel de locutor que acabei exercendo e, por força das circunstâncias, dando a notícia triste do fim do sonho das diretas já.  Mas a política é fogo: a oposição conseguiu eleger Tancredo Neves e, assim, adentrávamos, solenemente, na era democrática, dando um pontapé no traseiro da ditadura. Pena que Tancredo morreu antes de assumir e tivemos que engolir Sarney por cinco anos. Mas democracia é assim mesmo: só melhora se for constantemente praticada.
Fica aqui esse pequeno depoimento – há muito mais a contar – sobre o Diário do Povo que sairá às ruas pela última vez nesse domingo. Vai sobreviver virtualmente na rede. Para a nossa geração não  é a mesma coisa, mas eu aprendi, há muito tempo, a não brigar com o progresso.

2 comentários:

  1. Agora nós estamos assinando o Correio Popular, mas o Diário do Povo continua vindo, até pelo menos domingo que é a última edição. Eu nem sabia que já parava agora. Porque a assinatura ia até dia 15, mas eles fizeram uma oferta, pelo menos por 6 meses, o preço não mudou. Gostei muito de tudo o que vc. escreveu dos dois jornais que estão saindo "de linha". Com carinho Rudi

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  2. Marcus Vinicius Ozores1 de novembro de 2012 às 23:43

    Amigo Ed
    Gostei muito dos dois artigos que voce escreveu no seu blog. Tanto do JT, uma referencia para nós todos e o centenário Diário do Povo que, muito mal cuidado, nas ultimas décadas só pode encontrar uma morte sem glória.
    Sobrou apenas na nossa lembrança o tempo que passamos por lá.
    abs,
    marcus vinicius

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