Antonio Contente
Naquela
manhã de 1976 as coisas corriam normalmente no departamento da Nasa, nos
Estados Unidos, que recebia as imagens do satélite Skylab. Súbito o funcionário
que monitorava as transmissões que vinham do espaço deu um berro:
- Meu Deus
do céu!
Mal ecoou
pela sala silenciosa o grito macabro, todos se debruçaram sobre a mesa do
horrorizado técnico. Alguns pensando que ele avistara pedra sideral imensa
prestes a colidir com a Terra. Outros que detectara flotilha de discos voadores
preparando-se para ataque. Não se tratava de nada disso, porém: o que o
satélite acabara de detectar é que se desenrolava naquele instante, em extensa
área da floresta amazônica, no sul do Pará, a maior queimada que os olhos
humanos jamais tinham visto.
Não demorou
muito os americanos enviaram as imagens medonhas para o Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais) em São Paulo. Onde os tupiniquins também
colocaram as mãos na cabeça. Alguém instalara sucursal do inferno numa área em
que a floresta era não só absolutamente virgem, porém constituída por árvores
de madeiras nobres, algumas com centenas de anos.
Bom, mas o
IBDF (Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal, hoje Ibama) achou que
a empresa que cometeu a barbaridade deveria ser multada. E foi, com penalidade
jamais aplicada. Até porque, segundo dizem, seria maior do que o empreendimento
que estuprava a jungla.
Pois é, isso
tudo, que faz parte da tenebrosa história dos desmatamentos na Amazônia, andou
sendo relembrado no momento a propósito do recente lançamento de um livro
autobiográfico do ex-executivo alemão Wolfgang Sauer, que durante muitos e
muitos anos dirigiu a Wolkswagen em nosso país. Companhia esta responsável por
quase matar do coração, já lá se vão 37 anos, os técnicos da Nasa.
Bom, esta
parte do desmatamento não aparece bem na obra acima citada, cujo nome é “O
Homem Volkswagen – 50 anos de Brasil” (Geração Editorial, 527 páginas). De todo
modo, está no cartapácio a maior parte de como a empresa que fabricava e
fabrica ótimos carros resolveu investir na Amazônia. Para isso, Sauer esteve em
1973 com o ministro Rangel Reis, que deu o aval para o projeto da superfazenda
para criação de bois, esperando levar fugitivos da seca nordestina para lá. Mas
o que Sauer realmente queria, segundo voz corrente hoje, era solidificar seu
nome, com o sucesso da criação de bovinos, para chegar à presidência mundial da
Volks. A empresa, então, comprou 140 mil hectares, no sul do Pará, para a
instalação, num primeiro momento, de 60.000 bois.
O resultado
disso tudo foi que o susto do pessoal da Nasa no passado de repente se
transferiu para a cúpula da Volks em Berlim quando, em função de queimada,
talvez nunca igualada até hoje por seres humanos, mobilizou o Partido Verde
germânico, atiçando protestos dos ecologistas do mundo inteiro, inclusive do
Brasil. O pessoal, em passeatas por inúmeras cidades em vários continentes,
começou a berrar que a Volks estava empenhada em destruir a Amazônia e, com
isso, segundo afirmavam, “eliminar o oxigênio do planeta”, pois o fogaréu era
tudo que o demônio queria para tirar da selva do Norte do Brasil sua condição
de “pulmão do mundo”.
Quando os
dirigentes da Volks perceberam que a pregação pelo boicote dos seus carros
crescia a olhos vistos, trataram de se desvencilhar a fazenda brasileira, o que
degenerou em articulações complicadas que levaram o projeto megalomaníaco para
o buraco. Era mais um que falhava na Amazônia, como o que já contei aqui a
respeito da Fordlândia que fez Henry Ford rasgar, junto às barrancas do rio
Tapajós, nos anos 20, 30 e 40, algo como bem mais de um bilhão de dólares a
valores de hoje.
Voltando ao
livro de Wolfgang Sauer. Naturalmente o autor é apresentado como empreendedor
de alta estirpe, o que realmente revelou através de suas ações na Volks
brasileira. Mas o fato de ter, como diz o vulgo, quebrado a cara no projeto de
colocar ruminantes bovinos para mugir, aos invés de construir automóveis, de
alguma forma mexeu pelo menos com um pedacinho da sua imagem de
eficiência. Mácula, aliás, muito bem posta em artigo do jornalista Lúcio Flávio
Pinto, no seu excelente “Jornal Pessoal”, editado em Belém, quando diz em
trabalho sobre o tema focalizado nesta crônica: “Talvez Wolfgang Sauer tenha
sido visionário no polo industrial paulista, o maior do continente. Na selva
amazônica ele foi um devastador”.
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