Edmilson Siqueira
Hoje, quarta-feira, 16 de julho, é o penúltimo dia aqui em
Paris. Amanhã, às 23h30, embarcamos de volta para Campinas. Como amanhã é um dia
complicado, de lembrar daqueles presentinhos que prometemos e até agora não
compramos, de fazer malas e otras cositas mas, resolvi escrever hoje essa
croniqueta de despedida dessa cidade incrível.
Foi a maior temporada que passei por aqui – 21 dias –
andando e conhecendo o que deu para conhecer. Não fiz muitos planos, queria
sentir um pouco da cidade sem compromissos, sem destino, sem relógio e sem
patrão. Comer na hora que desse fome, beber água da garrafinha na bolsa, tomar
uma cerveja à hora que o corpo pedisse uma cerveja e beber o vinho quando a
refeição pedisse, ou não.
Enfim, queria zoar Paris (taí um verbo que uso, acho, pela
primeira vez) mas em silêncio, como deve fazer um admirador eterno, um
primitivo brasileiro que, tendo descoberto Paris muito tarde, resolveu vasculhá-la
como penitente, escravo de suas belezas.
Passei na Tour Eiffel, olhei-a de soslaio e segui em frente:
já te conheço as entranhas e as alturas. Do Louvre e seus inimagináveis
tesouros, desdenhei um pouco, com o devido respeito, por querer bater pernas
onde os bateaux mouches não nos levam. Do grande e napoleônico arco, passei por
ele, mas preferi o mais novo – mas não mais bonito – lá pelas alturas de La Défense.
Vasculhei a Rue Mouffetard como quem procura tesouros
perdidos, para encontrar uma casa, um endereço, um velho poeta e um escritor
nem tanto, ambos já mortos, mas com nomes gravados na vida de algumas gerações.
A casa está lá, a homenagem em forma de restaurante está lá e as devidas placas
anunciando a existência deles ali e preservando a memória de quem merece estão
lá. É Paris, é como deveriam ser muitas outras cidades.

Entrei por passagens que se anunciam em pequenos pórticos,
alguns com os devidos registros históricos, outros nem com isso, mas em todas
elas sente-se a vida latejando gostoso em suas livrarias, algumas de livros
antigos, outra só de livros sobre um determinado tema; em seus pequenos
cabinets de arte, com o próprio artista ali dentro produzindo novo trabalho; em
seus cafés – ah, os cafés – perfeitos para receber a todos para uma pequena
xícara e um jornal inteiro para ler. E lojinhas que parecem feitas de louça com
suas delicadas lembranças de uma Paris que já passou, mas que ali se conserva
perene. Passagens que guardam alguma coisa do espírito parisiense que se
esgueira em suas estreitas passarelas.

Fui duas vezes ao Museu d’Orsay e iria outras duas, quatro,
seis... Ali mora a essência do expressionismo, o âmago de Van Gogh, o olhar
gentil à natureza de Monet, A Bailarina de Degas, o passeio pela vida de
Toulouse-Lautrec, o vigor e a sensibilidade de Rodin, e muito mais, tudo dentro
de um enorme caixa de ferro, aço, concreto e mármore, velha estação do chemin
de fer que foi de ponto de chegada e
alívio de muitos franceses fugindo do nazismo em outras cidades e aqui chegando
para engrossar as fileiras da Resistência.
Fui ao Museu da Idade Média, surpreendente de tão belo, ao
Museu de l’Armé que conta mil histórias de quase tudo que o homem fez para ganhar
guerras e abriga um belíssimo memorial
a Charles De Gaulle, inaugurado por Sarkozy, ao de Arts et Métiers, (quanta
invenção!), entrei no Panthéon e nas igrejas de Santa Madalena – enorme e
sombria - e Sacré Coeur, gigantesca e bela.
Desbravamos ruelas do romântico
Montmartre (“é meio parecido com Santa Teresa, no Rio”, disse a Zezé), e fui duas vezes ao Jardim das Plantas : é um
enorme espaço dedicado gentil e cientificamente à natureza verde, com amplos
jardins, centenárias e majestosas árvores, estufas de preservação de exemplares
vegetais de boa parte do mundo, enfim, um templo que só a dedicação e a
educação de um povo podem manter. A segunda vez que fui, foi para apresentá-lo
a Zezé, que adorou.

E ainda teve a comida. Aprendi que o entrecôte é parecido,
mas não igual, em vários restaurantes. Que a pizza daqui, pode ter algumas
muito boas, mas não têm nada a ver com a que inventamos no Brasil ou mesmo com
a italiana de Roma. Que o vinho pode-se pedir praticamente qualquer um que será
bom, muito bom. Que a minha cerveja preferida é a mais vendida por aqui, tem em
todo lugar e o preço não é mais nem menos que o das outras. Que o filé de porco
é muito bom e que a lasanha à bolonhesa parisiense, aqui no restaurante La
Comédia, a 30 metros do hotel e especializado em comida italiana, é muito
gostosa.

Que há muito mais franceses gentis – desde que sejamos
educados, claro – do que diz a tradição sobre o mau humor deles em relação aos
turistas. Aliás, disso eu já sabia das outras viagens e apenas confirmei agora,
no sorriso da dona do café onde tomei – todos os dias – meu chocolat et
croissant e parti para o Metrô, satisfeito e ávido por desbravar ruas, ruelas,
avenidas e boulevards. Ou do casal que atende a todos, turistas ou não, no Café
Parisien, como se fossem velhos conhecidos.
Nessa última quarta-feira em Paris, dei uma olhadela no
miolo do Quartier Latin, aquela porção de ruas estreitas, cheias de restaurantes
oferecendo especialidades e lojas de souvenir, que sempre aparece nas fotos quando você vasculha
algum arquivo virtual. Estava abarrotado de turistas. A agitação estudantil de
outrora talvez exista em outras épocas do ano, mas não creio, já que Paris
recebe muitos turistas o ano inteiro.
Andei de barco pela Sena para, mais uma vez, admirar a
cidade de um ângulo abaixo da linha do “horizonte” e tive a atenção desviada para
a bela guia que nos informava, em francês e inglês, tudo de histórico por que
passávamos.
Assim foi Paris, mais uma vez, talvez a última. Fica uma
sensação prazerosa de ter estado com a amante perfeita durante três semanas de
completo amor.