quinta-feira, 10 de julho de 2014

Paris 8 - As surpresas de Paris



Uma das três ou quatro floriculturas perto do hotel
 

Edmilson Siqueira
Paris surpreende quem sai por aí, sem compromisso com horários, com tempo para andar sem rumo e com uma alma curiosa. Claro que andar por uma cidade bonita, limpa na maior parte dos espaços públicos (sim, há lugares meio sujinhos por aqui, mas são exceção) quase sem se preocupar com segurança – há policiamento visível sempre e eu já vi vários grupos de três soldados andando por aí, armados de fuzil, talvez pelo 14 de julho que se aproxima - com banheiros públicos totalmente privados, modernos e cheirando limpeza em muitos lugares, com um transporte que te leva aos quatro cantos da cidade rapidamente e quase nunca totalmente lotado, com filas educadas em cada museu mais badalado (a fila é uma babilônia linguística e é divertido tentar adivinhar alguma palavra ou a origem do cidadão) e com cafés, restaurantes e padarias que não deixam você passar fome nunca, pelo contrário, atraem com suas mesas e cadeiras, com seus cheiros difusos e agradáveis e com suas vitrines de pães e doces, é outra história.

Quando decidi ficar esses 17 dias sozinho em Paris – por conta de uma viagem que a Zezé queria fazer à Escócia e eu não queria – não pensei em planejar muita coisa. Separei vários programas descobertos em blogs na rede, mas nenhum obrigatório. Já fiz vários deles, mas sempre aproveitando para andar, para exercer a arte de flanar por Paris, que é, confesso, uma das minhas paixões.

A máquina fotográfica registra muita coisa, mas às vezes me dá preguiça de interromper a contemplação daquela linha perfeita de prédios que constitui um ângulo obtuso com o conjunto de prédios da outra rua e dão a impressão que vão se encontrar no infinito. Ou de, sobre uma ponte do Sena, ajustar a máquina e perder um instante mágico de uma luz incidindo sobre um barco que passa.
As ruas cujos prédios parecem que vão se encontrar no infinito

Aqui onde estou, numa das pontas do Quartier Latin, já no fim da Rue Mouffetard que foi tema de outra croniqueta, eu poderia ficar por muito tempo. Num raio de 200 metros, mais ou menos, há mais restaurantes que, acho eu, no Cambuí inteiro em Campinas. E todos muito bons, com pratos diferentes, com cafés da manhã de respeito e com vinhos e cervejas da melhor qualidade. E, embora muita gente duvide, tratando um turista que quase não fala francês como eu, com o maior respeito e generosidade.

Arredores do hotel: uma cidade completa num raio de 200 metros

E não é só. A menos de 100 metros do hotel, há uma igreja construída no século XVIII sob uma praça romana que já tinha uma outra igreja – dedicada à mesma santa (ou santo, não anotei e não me lembro direito agora) desde o século XII. E sem contar quatro ou cinco pequenos supermercados, várias floriculturas e várias quitandas, com frutas em ótimo estado. Tenho me servido de bananas e maçãs que não devem nadas às da feirinha do Taquaral. E cinco, sim cinco livrarias, uma elas especializada em livros de artes.

Mas flanar por Paris tem me levado a outros bairros, outros bairros e, às vezes, mesmo antes de chegar, a gente já se extasia. Dia desses, numa das mudanças de linha do Metrô, ao entrar numa esteira rolante (acho que tinha uns 400 metros), deparei com uma enorme parede à direita, com uma gigantesca exposição de desenhos retratando dezenas de batalhas da Primeira e Segunda Guerra Mundial. Dava vontade de dar uns passos pra trás para ter tempo de admirar mais ainda aquele incrível trabalho.

Nas paredes do Metrô, as duas guerras contadas no traço

Num museu – entre os vários que já vi por aqui – de temas religiosos, de repente você depara com uma pequena escultura de Cristo crucificado. Sim, trata-se de um tema mais que batido, mas esse não tinha cruz. Cristo parecia flutuar, suavemente, embora em pleno suplício. Eu sou ateu e nunca escondi isso de ninguém, mas arte é arte e só os insensíveis não se comovem diante dela.

Cristo flutuando suave em seu suplício

Dia desses falei aqui da emoção de encontrar o apartamento onde Hemingway viveu, no andar superior de um prédio onde, no seu térreo, tinha vivido o poeta Paul Verlaine. No mesmo livro que me deu essa dica, havia também referência à Brasserie Balzar. Ali, a turma de Hemingway costuma jantar altas horas da noite, elogiando sempre a qualidade da cozinha. Pois ela ainda está lá, no mesmo endereço e com a mesma qualidade. Sentei-me numa de suas mesas na calçada, de frente para a rua, depois de dar uma olhada no ambiente interno que, creio eu, não deve ser o mesmo dos tempos da “geração perdida”. Pedi uma Seize e fiquei ali uma boa meia hora imaginando o passado.

Na Brasserie Balzar, boteco da "geração perdida"

Na volta para o hotel, a pé, fiz uma grande curva entrando em boulevards e ruas. Parei no cruzamento da Avenue des Gobelins com o Boulevard Sant Marcel. Subi uns 50 metros da avenida e, de repente, ouço uma voz atrás de mim: “S’il vous plait, monsieur, savez vous où est le Boulevard Saint Marcel?” Era uma chinesa (acho eu) acompanhada de outra, pedindo uma informação pra mim. Eu poderia dizer o meu já famoso “Pardon, je ne parle pas français”, mas eu não só havia entendido o que ela me perguntou, como sabia responder. Sem hesitar, estiquei o braço apontando para a esquina de baixo: “C’est...” e antes que eu terminasse, ela perguntou: “La bas?” “Oui” eu respondi. E lá foram as duas na direção apontada por mim, não sem antes dizer, com um sorriso, “merci beaucoup”. Continuei minha caminhada de volta ao hotel, mas achando que, dali pra frente, nada mais seria como antes.
É apenas a entrada de um condomínio em Paris


5 comentários:

  1. Ah, meu Deus, agora vc já está se sentindo, definitivamente, um parisiense...

    ResponderExcluir
  2. Edmilson, estou acompanhando sua peculiar viagem, assim que gostaria de ver Paris,sem pressa nem dor nas pernas.

    O café foi uma das coisas que mais gostei em Paris, (digo na parte de gastronomia), por mais simples que fosse o restaurante ele era esplendido, de deixar saudade....Tome um por mim...
    Estou adorando as sua crônicas, em todas dá para sentir o seu amor e respeito por essa cidade única.
    Abraços e continue desbravando Paris... que chato né?

    ResponderExcluir
  3. Oi mano, saudades .... Estou lendo as crônicas e tentando guardar algumas informações porque é muita coisa para quem não conhece Paris. Mas a leitura é muito gostosa, é um passeio, um voo imaginário do meu escritório até a capital parisiense. Quem sabe um dia ( que seja breve!!!) estarei andando por aí.... Por aqui, tudo bem. Chuvinha fina e muito frio. Grande beijo para você e Zezé, com carinho.

    ResponderExcluir
  4. Vagabundear pelo chamado "Deus dará" é bom em qualquer cidade, até naquela em que se vive; mas, logicamente, isso é muito melhor na capital francesa. Primeiro porque se acaba descobrindo, como Hemingway, que Paris, de fato, é uma festa; segundo porque nunca sai de nossa cabeça que logo encontraremos algo inesperado, que é o sempre esperado na Cidade Luz. Mas, ao fim e ao cabo, mesmo não acontecendo nada, acabamos descobrindo que aconteceu tudo. Como pode? Ah, isso você só vai descobrir fazendo o que você anda fazendo, jornalista Ed. Não é? Abraços

    ResponderExcluir
  5. Viajei junto, agora! Muito boa croniqueta

    ResponderExcluir