quarta-feira, 16 de julho de 2014

Paris 10 – Au revoir, adieu, a bientôt?

 
 
Edmilson Siqueira
Hoje, quarta-feira, 16 de julho, é o penúltimo dia aqui em Paris. Amanhã, às 23h30, embarcamos de volta para Campinas. Como amanhã é um dia complicado, de lembrar daqueles presentinhos que prometemos e até agora não compramos, de fazer malas e otras cositas mas, resolvi escrever hoje essa croniqueta de despedida dessa cidade incrível.
 
 
Foi a maior temporada que passei por aqui – 21 dias – andando e conhecendo o que deu para conhecer. Não fiz muitos planos, queria sentir um pouco da cidade sem compromissos, sem destino, sem relógio e sem patrão. Comer na hora que desse fome, beber água da garrafinha na bolsa, tomar uma cerveja à hora que o corpo pedisse uma cerveja e beber o vinho quando a refeição pedisse, ou não.
 
 
Enfim, queria zoar Paris (taí um verbo que uso, acho, pela primeira vez) mas em silêncio, como deve fazer um admirador eterno, um primitivo brasileiro que, tendo descoberto Paris muito tarde, resolveu vasculhá-la como penitente, escravo de suas belezas.
 
Passei na Tour Eiffel, olhei-a de soslaio e segui em frente: já te conheço as entranhas e as alturas. Do Louvre e seus inimagináveis tesouros, desdenhei um pouco, com o devido respeito, por querer bater pernas onde os bateaux mouches não nos levam. Do grande e napoleônico arco, passei por ele, mas preferi o mais novo – mas não mais bonito – lá pelas alturas de La Défense.

Vasculhei a Rue Mouffetard como quem procura tesouros perdidos, para encontrar uma casa, um endereço, um velho poeta e um escritor nem tanto, ambos já mortos, mas com nomes gravados na vida de algumas gerações. A casa está lá, a homenagem em forma de restaurante está lá e as devidas placas anunciando a existência deles ali e preservando a memória de quem merece estão lá. É Paris, é como deveriam ser muitas outras cidades.
 
Entrei por passagens que se anunciam em pequenos pórticos, alguns com os devidos registros históricos, outros nem com isso, mas em todas elas sente-se a vida latejando gostoso em suas livrarias, algumas de livros antigos, outra só de livros sobre um determinado tema; em seus pequenos cabinets de arte, com o próprio artista ali dentro produzindo novo trabalho; em seus cafés – ah, os cafés – perfeitos para receber a todos para uma pequena xícara e um jornal inteiro para ler. E lojinhas que parecem feitas de louça com suas delicadas lembranças de uma Paris que já passou, mas que ali se conserva perene. Passagens que guardam alguma coisa do espírito parisiense que se esgueira em suas estreitas passarelas.     
 
Fui duas vezes ao Museu d’Orsay e iria outras duas, quatro, seis... Ali mora a essência do expressionismo, o âmago de Van Gogh, o olhar gentil à natureza de Monet, A Bailarina de Degas, o passeio pela vida de Toulouse-Lautrec, o vigor e a sensibilidade de Rodin, e muito mais, tudo dentro de um enorme caixa de ferro, aço, concreto e mármore, velha estação do chemin de fer que foi  de ponto de chegada e alívio de muitos franceses fugindo do nazismo em outras cidades e aqui chegando para engrossar as fileiras da Resistência.
 
Fui ao Museu da Idade Média, surpreendente de tão belo, ao Museu de l’Armé que conta mil histórias de quase tudo que o homem fez para ganhar guerras e abriga um belíssimo memorial a Charles De Gaulle, inaugurado por Sarkozy, ao de Arts et Métiers, (quanta invenção!), entrei no Panthéon e nas igrejas de Santa Madalena – enorme e sombria - e Sacré Coeur, gigantesca e bela.
 
 
Desbravamos ruelas do romântico Montmartre (“é meio parecido com Santa Teresa, no Rio”, disse a Zezé),  e fui duas vezes ao Jardim das Plantas : é um enorme espaço dedicado gentil e cientificamente à natureza verde, com amplos jardins, centenárias e majestosas árvores, estufas de preservação de exemplares vegetais de boa parte do mundo, enfim, um templo que só a dedicação e a educação de um povo podem manter. A segunda vez que fui, foi para apresentá-lo a Zezé, que adorou.
 
E ainda teve a comida. Aprendi que o entrecôte é parecido, mas não igual, em vários restaurantes. Que a pizza daqui, pode ter algumas muito boas, mas não têm nada a ver com a que inventamos no Brasil ou mesmo com a italiana de Roma. Que o vinho pode-se pedir praticamente qualquer um que será bom, muito bom. Que a minha cerveja preferida é a mais vendida por aqui, tem em todo lugar e o preço não é mais nem menos que o das outras. Que o filé de porco é muito bom e que a lasanha à bolonhesa parisiense, aqui no restaurante La Comédia, a 30 metros do hotel e especializado em comida italiana, é muito gostosa.
 
Que há muito mais franceses gentis – desde que sejamos educados, claro – do que diz a tradição sobre o mau humor deles em relação aos turistas. Aliás, disso eu já sabia das outras viagens e apenas confirmei agora, no sorriso da dona do café onde tomei – todos os dias – meu chocolat et croissant e parti para o Metrô, satisfeito e ávido por desbravar ruas, ruelas, avenidas e boulevards. Ou do casal que atende a todos, turistas ou não, no Café Parisien, como se fossem velhos conhecidos.
 
 
Nessa última quarta-feira em Paris, dei uma olhadela no miolo do Quartier Latin, aquela porção de ruas estreitas, cheias de restaurantes oferecendo especialidades e lojas de souvenir, que sempre aparece nas fotos quando você vasculha algum arquivo virtual. Estava abarrotado de turistas. A agitação estudantil de outrora talvez exista em outras épocas do ano, mas não creio, já que Paris recebe muitos turistas o ano inteiro.
 
Andei de barco pela Sena para, mais uma vez, admirar a cidade de um ângulo abaixo da linha do “horizonte” e tive a atenção desviada para a bela guia que nos informava, em francês e inglês, tudo de histórico por que passávamos.
 
Assim foi Paris, mais uma vez, talvez a última. Fica uma sensação prazerosa de ter estado com a amante perfeita durante três semanas de completo amor.
 
 

7 comentários:

  1. Parabéns pela crônica…eu deveria ter conhecido Paris dessa forma, desfrutando de sua beleza, mas qdo fui era muito nova para saber aproveitar tudo isso, passei pouquíssimo tempo conhecendo apenas os pontos mais relevados para turistas, com olhar de turista, vestindo óculos do encantamento mas que não atingiam a percepção humana…foi um pena;
    Ao ler sua croniqueta, percebi que visitei muitos lugares por esse mundão dos quais não absorvi quase nada…ficaram sem sentido; acho que agora estou na idade certa de fazer essas visitas, aproveitando cada paisagem como vc…
    Amei.
    Bjs e boa viagem.

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  2. Olha, jornalista Ed, eu acho que não será sua última estada em Paris, tenho certeza que você volta. Só que quem ganhará o alto prêmio na loteria não será você, mas eu. Dai virá a compra de um apartamento no Marais com cópia da chave para você e Zezé ficarem lá o tempo que desejarem. Ah, sim, os bilhetes pela Air France também serão por minha conta. Os vinhos? Idem. Idem as cervejas. Além de vários "Sole de Crabbe à Recamièr" no restaurante do Plaza Athenée, que é comandado pelo chef Alain Ducasse. Prepare-se.

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  3. Fechou com chave de ouro... " a amante perfeita durante 3 semanas"... Descreveu a exata sensação de estar em Paris. Parabéns pelas crônicas !

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  4. Ah Ed, Zezé, vou destoar: essa cidade não tem sujeira? Mendigos? Ladrões? Taxista mal educado, garçon arrogante, comida ruim? Não é possível!!
    Mas, brincadeiras (ou nem tanto...) à parte, não sei se desejo que vc volte ou não à sua amada cidade. Claro que quero que vc retorne, e acho, como o Contente, que isso vai acontecer. Mas desconfio que Paris nunca mais será tão encantadora, pra vc, como foi nesses 21 dias. De qq forma, pra não ser muito original, vc poderá dizer, daqui pra frente, seja quais forem os infortúnios que, quem sabe, baterem à sua porta, que sempre terá Paris...

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    1. Tem tudo isso, claro, mas numa proporção que faria, sei lá, Vinhedo morrer de inveja. Já estamos de volta, mas, como você disse, sempre terei Paris...

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  5. Caro Edmilson,

    Acompanhei a sua viagem e fiquei impressionado. Que privilégio andar e poder desfrutar dessa cidade; senti uma pontinha de inveja, aquela boa inveja, sabe?!

    Mas longe de ser um guia turismo, você foi além, pois ao se definir como amante de Paris, realçou o quanto esta cidade é civilizatória.

    Alguns anos atrás, li um livro de Jorge Amado, Farda Fardão e Camisola de Dormir. Na obra há um poeta apaixonado por Paris...

    Lembrei não apenas do livro, mas tive a sensação de querer, quem sabe um dia, poder desfrutar um pouquinho disso tudo.

    Parabéns pela viagem, pelas crônicas e claro, por todo sentimento compartilhado em cada foto e palavra.
    Abraços.

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  6. Acompanhei suas crônicas e fiquei me coçando de vontade de fazer a viagem desta forma. Fico feliz por vcs terem conseguido harmonizar os roteiros dessa forma, e por vc ter conseguido curtir assim tão intensamente cada cantinho visitado. Quando for (um dia ainda vou), com certeza usarei suas crônicas como guia!
    Mal comparando, quando fui a Cuba fiz exatamente isso, mergulhei de cabeça em cada esquina, fiz várias andanças sozinha pelos bairros, conversando com as pessoas na rua, frequentando casas de amigos, conhecendo a gastronomia fora dos restaurantes e longe dos turistas. É tudo de bom! Uma aula de história intensa, de descobertas e curtições...
    Obrigada por compartilhar sua viagem e seu olhar, foi muito generoso de sua parte.
    Abs!!

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