Zezé entrou no Facebook e viu lá um samba antigo do Chico postado pela amiga Sandra, que trocou o frio de Curitiba pelo frio de Campinas e está morando em Barão Geraldo com as filhas. Ouviu o samba e engatou um bate papo com a amiga. Acabaram marcando um encontro, regado a chazinhos e talvez algum vinho, na Padaria Alemã. Mas o samba do Chico deve ter causado algum banzo na Zezé que, com as facilidades do Youtube, botou o laptop na cozinha e, enquanto fazia uma divina macarronada, buscava e ouvia antigos sambas do velho compositor.
Chico já foi muito mais para mim e para Zezé. Gosto de ver, de vez em quando, ele cantando A Banda, ao vivo, naquele festival da Record no longínquo outubro de 1966. Ou Roda Viva num festival posterior. Não que eu tenha saudade dele, talvez tenha saudade de mim. Chico foi bom – e muito bom – enquanto durou a ditadura e os governos Sarney e Collor. Depois, quando um governo que não era da esquerda que ele admirava fez as reformas necessárias e acabou com a inflação, ele entrou numa espécie de ócio mental e não fez mais nada de bom. E mesmo quando seu candidato foi eleito e manteve as reformas todas impedindo uma “esquerdização” à la cubana ou algo parecido no Brasil, Chico não fez mais nada. Escreveu um livro que, por ser premiado por uma corriola, mais pelo nome do autor que pelo conteúdo, acabou afastando-o mais ainda das luzes da ribalta.
Mas foi bom ouvir de novo Apesar de Você, música que diziam,
à época de seu lançamento e proibição pela censura da ditadura, que o título
tinha mais um pedaço que era justamente o nome do general presidente. Lenda,
claro, mas corria de boca em boca no meio da estudantada universitária. Ou
então o opressivo samba Cotidiano, em que Chico usa e abusa do direito de não
evoluir uma melodia, tornando-a massacrante, como se fosse de propósito para
repetir, ad infinitum, a rotina sem esperança de um casal quase mecânico.
Construção, a música que veio a seguir na seleção da Zezé,
já tem outras histórias. Enorme para os padrões da época, fez tanto sucesso que
as paradas musicais das rádios (os “top ten” da época )tiveram que adaptar
horários para que ela coubesse na programação. E pior ainda para os que insistiam
em tocar Deus Lhe Pague, que vinha em seguida no LP, totalmente emendada, sem
qualquer separação, como se fosse a continuação da anterior. O sucesso foi
tanto, repito, que até prêmio do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Belo
Horizonte (se não me engano) Chico recebeu. Sindicato ligado ao então Partidão,
lembram?
Mas Chico foi um herói pra muita gente, inclusive para mim.
Não nego mesmo hoje, quando minhas convicções ideológicas há muito me afastaram do
discurso da esquerda, que algumas músicas que ele escreveu, sozinho ou com
Jobim, ou com Francis Hime ou com Edu Lobo ou com outros ainda, são obras
primas que jamais serão relegadas a um plano inferior na história da MPB. Mesmo
as mais, digamos, de protesto, tiradas de seu contexto político, têm força
suficiente para sobreviver por séculos. E as românticas são coisa de gente
grande.
Há uns cinco ou sei anos Zezé me deu a caixa completa de
DVDs do Chico (são 13 ao todo), uma coleção magnífica, feita com
profissionalismo, coisa de cinema, filmada no Rio, Roma e Paris, se não me
engano. Já tínhamos assistido a uns dois ou três DVDs na TV e havíamos gostado,
principalmente de todas as lembranças que aquelas músicas – há clips da época –
nos trouxeram. Mas a caixa chegou e foi para o local reservado no rack da TV
para DVDs e ali ficou. Zezé entendeu por que eu não assisti até hoje e eu
entendi por que ela não quis assistir também. Ou não entendemos nada.
O que sei é que o pequeno momento na manhã de hoje, ouvindo
sucessos antigos do Chico, trouxe instantes de prazer que talvez imaginássemos
esquecidos, perdidos, relegados a um tempo que não volta mais – e talvez seja
bom que não volte. Mas não sei se é bom
que Chico não tenha mais o que dizer – seu último disco foi pífio – sei apenas
que os tempos são outros e a música de hoje já não nos acerta em cheio, não nos
leva àquele estado que os mais velhos não entendiam, não nos deixa certos de que
amanhã há de ser outro dia.
Eu nunca comprei nenhum disco (elepê), CD (depois), DVD (mais recente) ou livro do Chico Buarque. Mas o escutei bastante no passado, em rádios, na casa de amigos da esquerda festiva ou zapeando programas de TV em que ele aparecia. A composição dele (letra dele, música do Sivuca)que mais gosto é João e Maria, em dueto com a Nara Leão. Dia desses, num barzinho aí em Campinas, a escutei. Durante o tempo da audição o perdoei por ser lulista.
ResponderExcluirAh, o Chico é um dos nossos tesouros. E não falo, claro, só, nem principalmente, por causa dos olhos verdes e daquele carisma infinito, mas devido às obras primas, mesmo, com que nos brindou. Dizem os entendidos que as músicas continuam boas, embora mais cerebrais e elaboradas e, portanto, de assimilação mais difícil. Sei lá, sei é que quando ouço as criações dessa época que vc mencionou, tb sinto uma mistura de alegria com tristeza por ver quanto já vivi.E quanto ele tb já viveu, e quanto mudou...
ResponderExcluirOi, Edmilson!!
ResponderExcluirO encontro para um delicioso bate-papo com a Zezé começou a ser forjado pela "Roda Viva". Roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda pião, o tempo rodou num instante... O ótimo papo e a música do Chico me ajudam a matar a saudade de um tempo ou de uma atmosfera mais criativa, pensante, crítica.
Se os tempos são outros, ainda é possível, mesmo que no nosso pequeno mundo, recriar essa atmosfera. Apesar do frio, quase curitibano, o encontro com os amigos torna a vida mais quentinha e interessante.
Abraços,
Sandra Felicidade