Edmilson Siqueira
Dia desses vi Felão andando no Centro de Campinas.
Tem o meu tamanho (1,65m mais ou menos), mas uma barriga enorme. Os cabelos já
estão brancos nas laterais e ele anda devagar, talvez pelo peso da barriga,
talvez pelo peso dos pensamentos. Felão - Félix Benedito Himalaia - é advogado,
mas sem gravata ou paletó. Anda de camisa pólo e calça jeans e a última vez que
soube de sua profissão, estava trabalhando para um sindicato. Nunca conheci
cliente seu ou mesmo algum caso. Um dia, quando eu ainda trabalhava no jornal,
me ligou dizendo que estava fazendo aniversário – acho que 54 anos –
perguntando se eu não podia botar na coluna. Não podia. Felão nem era político
ou algum advogado famoso, desses que ganham milhões a cada escândalo em
Brasília. Fiquei devendo. Mas compensei com uma crônica no Farol que eu
escrevia na Metrópole e onde revelei que ele era sãopaulino até cinco ou seis
anos e depois sucumbiu aos encantos e à magia – como tantos outros – de um
timaço comandando por ninguém menos que Pelé. Eu mesmo torci muito para o
Santos nas competições internacionais. Aquele 4 a 2 contra o Milan, no
Maracanã, de virada (estava dois a zero no primeiro tempo), acho que em 1962,
eu ouvi inteirinho no rádio. E Pelé nem jogou. Só não gostava quando a vítima
era o meu São Paulo.
Felão era bom de bola. Não era rápido, mas tinha
domínio soberbo. Tipo Coutinho, pra quem viu jogar. Pra quem não viu: Pelé
dominava no meio do campo, driblava o primeiro, o segundo, o terceiro e na
entrada da área passava para Coutinho. A bola sumia debaixo do pé e daquele
corpanzil e aparecia limpa, já à frente de Pelé que, àquela altura já estava
ali na marca do pênalti, e os adversários caídos pelo caminho. Chamavam de
“tabelinha” (chamam até hoje, aliás) e parecia mágica. Aqui em Campinas vi uma
dessas. Foi naquele cinco a um que o Guarani aplicou no Santos nos anos 60.
Joãozinho tinha feito o primeiro do Guarani. Driblou uns três do Santos pela
direita, invadiu a área, Gilmar saiu e ele tocou no canto. Lembrei com ele, há
uns meses, esse jogo, lá no 16º andar da Prefeitura. Contei detalhes que nem
ele se lembrava.
Mas falava dos mágicos do Santos. Depois do gol de
Joãozinho, Pelé e Coutinho deram a saída e foram tabelando até dentro do gol do
Guarani. Nenhum jogador do Guarani tocou na bola, a não ser para pegá-la no
fundo do gol. Eu estava sentado na chamada “geralzinha” do estádio, aquela
parte que fica hoje embaixo do tobogã que não existia à época. Era o ingresso
mais barato e nem dava pra sentar direito, já que os degraus eram pequenos. Ao
meu lado, Nelson Boccato Júnior que é médico em Sorocaba. Santista, pelezista
como o Felão. Naquele tempo, torcedores de times diferentes podiam sentar lado
a lado durante um jogo, o país ainda tinha um pouco da civilidade e da educação
que viria perder logo mais.
Nelson, ou o Nê, como eu o chamava, morava na mesma
rua que eu, quando comecei no Culto à Ciência, em 1963. Rua Francisco de Assis
Pupo, na Vila Industrial. Íamos juntos para o colégio. Isso depois que ele
sarou de um problema cardíaco que o fez ficar em repouso acho que os 40
primeiros dias de aula. Todo dia, depois da aula, eu chegava em casa, almoçava,
pegava os cadernos e ia à casa dele. Lá passava as aulas, ou melhor, as “lições
de casa” e ele ia estudando. Quando começou a frequentar as aulas estava por
dentro de quase tudo. E passou com melhores notas que eu.
Encontrei o Nê há uns 12 anos, naquela festa do Culto à Ciência no Ginásio da Unicamp, a maior que conseguiram fazer até agora. Estão preparando outra, mas acho que essa será no próprio colégio, que é o lugar certo. Nê estava estranho, pensei que seria mais efusivo ao me encontrar, mas foi meio frio pro meu gosto, a gente não se via há décadas. Perguntei onde ele andava e ele disse “Sorocaba, aparece por lá um dia” e sumiu. Contei esse fato a uma amiga dos botecos da vida que encontrei naquela festa e ela me disse: “Virou médico, né?”
Discordei dela, não na hora, mas depois, quando me lembrei do Plínio Amaral. Tricolor de coração, Plinião era um desenhista enorme. Nos dois sentidos, pois sempre foi gordinho, o que o atrapalhava enormemente nas aulas do seu Stuchi, de educação física e no futebol, que a gente sempre jogava depois da aula, às vezes até escurecer, no campo que havia onde hoje está o anfiteatro do Culto à Ciência. Mas ele desenhava com uma facilidade tão grande que eu morria de inveja. Plinião se formou médico e a gente se reencontrou no City Bar, séculos depois, ele casado com a Suzana, que trabalhava na Prefeitura à época e era colega de trabalho e amiga da minha então mulher. Ficamos amigos então, de novo, em meio a grandes noitadas regadas a cerveja e muito papo. Tenho até hoje, completamente amarelado pelo tempo, um retrato meu que ele desenhou num pedaço de papel na mesa do bar. Colei num papelão, plastifiquei, mas que nada, o tempo está comendo o coitado como um retrato de Dorian Gray sem o efeito mágico de manter o original sempre jovem.
Há um comentário na poesia que Contente escreveu em forma de crônica para o blog. A autora é Marisa Lage. Na verdade ela me mandou um e-mail que eu transformei em comentário do blog. Marisa parece que mora em Porto Velho (RO) e eu a descobri há alguns anos, ou ela me descobriu, já que andei exposto por aí quando escrevia a coluna de política no Correio. Marisa eu conheci já no clássico do Culto à Ciência. Morena de cabelos pintados de loiro, alisados acho eu, era bonita e se sentava ao meu lado na classe. E eu ficava admirando suas pernas em quase todas as aulas, ela que vestia sempre uma mini-saia das mais generosas em 1968, quando essa moda estava no auge. Fizemos Otelo de Shakespeare, mas isso é outra história que pode render várias crônicas. Ela era Desdêmona, a amada do herói mouro e eu Brabâncio, seu pai (dela, não do mouro). Foi um carreira artística curta, mas repleta de emoções, como vocês saberão quando essa nostalgia toda voltar a me encontrar ao lado de uma garrafa de Baron d’Arignac, vinho francês barato, mas muito bom, como quase todos os vinhos daquele pedaço da Europa.
Encontrei o Nê há uns 12 anos, naquela festa do Culto à Ciência no Ginásio da Unicamp, a maior que conseguiram fazer até agora. Estão preparando outra, mas acho que essa será no próprio colégio, que é o lugar certo. Nê estava estranho, pensei que seria mais efusivo ao me encontrar, mas foi meio frio pro meu gosto, a gente não se via há décadas. Perguntei onde ele andava e ele disse “Sorocaba, aparece por lá um dia” e sumiu. Contei esse fato a uma amiga dos botecos da vida que encontrei naquela festa e ela me disse: “Virou médico, né?”
Discordei dela, não na hora, mas depois, quando me lembrei do Plínio Amaral. Tricolor de coração, Plinião era um desenhista enorme. Nos dois sentidos, pois sempre foi gordinho, o que o atrapalhava enormemente nas aulas do seu Stuchi, de educação física e no futebol, que a gente sempre jogava depois da aula, às vezes até escurecer, no campo que havia onde hoje está o anfiteatro do Culto à Ciência. Mas ele desenhava com uma facilidade tão grande que eu morria de inveja. Plinião se formou médico e a gente se reencontrou no City Bar, séculos depois, ele casado com a Suzana, que trabalhava na Prefeitura à época e era colega de trabalho e amiga da minha então mulher. Ficamos amigos então, de novo, em meio a grandes noitadas regadas a cerveja e muito papo. Tenho até hoje, completamente amarelado pelo tempo, um retrato meu que ele desenhou num pedaço de papel na mesa do bar. Colei num papelão, plastifiquei, mas que nada, o tempo está comendo o coitado como um retrato de Dorian Gray sem o efeito mágico de manter o original sempre jovem.
Há um comentário na poesia que Contente escreveu em forma de crônica para o blog. A autora é Marisa Lage. Na verdade ela me mandou um e-mail que eu transformei em comentário do blog. Marisa parece que mora em Porto Velho (RO) e eu a descobri há alguns anos, ou ela me descobriu, já que andei exposto por aí quando escrevia a coluna de política no Correio. Marisa eu conheci já no clássico do Culto à Ciência. Morena de cabelos pintados de loiro, alisados acho eu, era bonita e se sentava ao meu lado na classe. E eu ficava admirando suas pernas em quase todas as aulas, ela que vestia sempre uma mini-saia das mais generosas em 1968, quando essa moda estava no auge. Fizemos Otelo de Shakespeare, mas isso é outra história que pode render várias crônicas. Ela era Desdêmona, a amada do herói mouro e eu Brabâncio, seu pai (dela, não do mouro). Foi um carreira artística curta, mas repleta de emoções, como vocês saberão quando essa nostalgia toda voltar a me encontrar ao lado de uma garrafa de Baron d’Arignac, vinho francês barato, mas muito bom, como quase todos os vinhos daquele pedaço da Europa.
Que delícia de crônica, Ed!!!!
ResponderExcluirBeijoca...
Adoro crônicas e as suas em especial porque me trazem doces lembranças. Espero ansiosa pela próxima. Parabéns, vc continua escrevendo muito bem. Abs.
ResponderExcluirSuas lembranças e fatos de sua juventude trazem sempre um saudade danada. Eu adoro ler, principalmente porque os personagens são todos ou quase todos, nossos conhecidos. Continue que está muito bom. Com carinho Rudi
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