domingo, 29 de julho de 2012

No tempo do JH



                                                           Redação do JH em 1979

Edmilson Siqueira

Foi um tempo curto de vida, mas o jornal tinha tudo para dar certo. Bem, nem tudo. Criado por um político, o Jornal de Hoje surgia em Campinas para se intrometer entre o Correio Popular e o Diário do Povo, roubar um pouco dos leitores deles e, claro, formar novos leitores. Um prédio novinho em folha na entrada de Campinas (o Trevo da Anhanguera), uma redação cheirando a tinta, máquinas de escrever Remington de última geração (he, he) e papel carbono que, acreditem, não sujava as mãos. Corria o glorioso ano de 1979, pairava um ar de fim de ditadura, quase a certeza de que o general Figueiredo seria o último militar a governar o Brasil e nós todos sonhando com a democracia. Bem, nem todos. A gente esfregava as mãos.
Mas o jornal era de um político e, para dirigir a gráfica, o político “nomeou” um velho cabo eleitoral. Como alguma coisa não foi explicada direito, o diretor da gráfica comprou um velho maquinário para imprimir o jornal, daqueles a chumbo, talvez por uma pechincha e na certeza de que ia agradar o patrão. Não agradou, mas como era um “velho companheiro de lutas”, não foi demitido pela burrada. O patrão entrou na jogada, soube que o Senado ia se leiloar sua enorme impressora – que funcionava perfeitamente ainda, mas havia uma mais moderna e, já que o dinheiro não era deles mesmo, por que não trocar? 
O dono do Jornal de Hoje deve ter entrado sozinho no leilão e arrebatado a máquina pelo preço mínimo. Alguns dias depois ela era instalada no andar de baixo do prédio lá no trevo da Anhanguera pra começar os testes. Fizemos várias edições “zero” que, no jargão jornalístico, são os testes que valem pra tudo: texto, edição, diagramação, fluxo e, naquele tempo, past up (pestape mesmo), fotolito e impressão. Ia quase tudo bem, com exceção da impressão. Um dia saía clara demais, outro dia escurecia tudo e nada de achar o ponto. Eu me lembro de um dia pregar no quadro de avisos uma foto do Pantera, uma crioulo de quase dois metros de altura e de largura, excelente trombone da Sinfônica, e escrever que, para o povo da impressão, era o prefeito Chico Amaral.  
O problema da impressão estava num treco importado, uma tal chapa de nylon que precisava de gente que a conhecesse bem para que ela surtisse o efeito desejado. Demorou uns dez ou vinte dias pra se chegar ao ponto, a equipe se afinar e o jornal começar a sair. E demorou uns dois ou três meses para a grana minguar e a chapa importada ser trocada pela nacional, bem mais barata, mas de péssima qualidade. O resultado era uma impressão que perdia para a do Diário do Povo que ainda feito em chumbão.
Mas não foi apenas na estética que o JH pecou. A equipe era boa, mas andou se equivocando. Primeiro que, ao invés de tentar chegar a um público novo, quis tirar leitor do Diário do Povo, que, à época, era o jornal mais influente da cidade. Não era o maior – o Correio sempre vendeu mais, muito mais, aliás – mas tinha mais opinião, ouvia mais gente da oposição e empregava alguns macacos velhos da imprensa duros de bater. O JH ficava no meio termo, nem lá nem cá, às vezes se parecia com o Correio, às vezes queria ser mais que o Diário e não conseguia se firmar. Daí o fracasso financeiro que obrigou a reduzir custos, diminuir sensivelmente o quadro e se fundir com o Diário decretando sua própria morte.
A gota d’água do JH foi um escândalo na PUCC. Descobriram que o irmão do reitor era “aluno” do curso de comunicação. Já estava ano segundo ou terceiro ano, nunca tinha aparecido numa aula sequer, mas tinha presença em todas elas e, claro, altas notas sempre nas provas, mesmo sem fazê-las. De repente, os alunos da PUCC faziam rodinha em torno de um jornal para saber das novidades do caso. Era a grande chance de o JH alcançar um público que nem pensava em ler jornal (alguns pensavam, claro, mas eram minoria). Mas, não sei por qual motivo, o JH resolveu defender os Barreto Fonseca (o reitor e o irmão). O Diário, percebendo a brecha, agiu com um jornal deveria agir e quando o nome do falso aluno foi retirado do curso, comemorou. E o JH perdeu a chance de atacar uma sacanagem e ainda ganhar novos leitores.  

Eu saí antes do jornal fechar. Já não me entendia com os chefes e seus equívocos jornalísticos. A abertura política que se avizinhava requeria novas posturas. Havia um público novo a se conquistar e a oposição já era grande o suficiente no Estado e em Campinas para eleger governador e prefeito e a imprensa precisava fazer parte dessa história do lado certo, não só por uma questão de democracia, era também uma questão de sobrevivência.  E, pra completar, meus amigos Jary Mércio e Caio Blinder (esse mesmo, do Manhattan Connection) - nós três editores de Nacional/Internacional – já tinham saído do jornal.
Assisti ao fim do JH não me lembro de onde. A fusão com o Diário foi um último suspiro do próprio Diário que nunca mais foi o mesmo, até ser vendido para o Correio Popular. Na fusão, o JH sumiu. Hoje em dia, como mais uma publicação do Grupo RAC, o Diário vive longa agonia em praça pública, talvez carregando em suas tintas a praga do JH.
(Na foto do post, eu estou de perfil, de barba e calça azul, à esquerda. Na outra mesa, conversando com a moça, está Caio Blinder)

7 comentários:

  1. Bom dia, amei a cronica do JH. Eu tb. fiquei lá um mês fazendo a revisão da primeira página,
    entrava às 18 e saia às 4 da matina, e depois a gente ia tomar café no aeroporto, rsrsrs....

    Eu lembro da moça da foto que vc. cita, mas não era a Sirlene Nogueira? Não lembro se
    ela chegou a trabalhar lá, pq ela trabalhou na Cultura comigo.

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  2. UM JORNAL QUE MORRE NÃO CONVIDA AO RÉQUIEM (O DE WOLFGANG AMADEUS É O QUE MAIS ME TOCA) APENAS NÓS, JORNALISTAS. É UMA PERDA PARA A COMUNIDADE COMO UM TODO, QUE SE VÊ PRIVADA DE NOVA FONTE AO DEBATE DE IDÉIAS, DIVULGAÇÃO CULTURAL, OU, MESMO, SIMPLES BOBAGENS. QUE, PODEM TER CERTEZA, TAMBÉM GUARDAM ALGUMA UTILIDADE...

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  3. Morte de jornal é sempre uma coisa triste. E como disse o Contente, não só para os jornalistas. Mas acho que especialmente pra nós. Eu me lembro do sopro de novidade que o JH trouxe pra Campinas, "importando" jornalistas de várias cidades que chegavam com caras e hábitos novos e logo estavam tomando cerveja com a gente no muito saudoso Ponto Chic. E lembro de como acreditamos que um jornal com aquele novo perfil iria arejar (hoje se diria "oxigenar", um termo horroroso que está na moda)a dicotomia da nossa imprensa, dividida entre o Correio e o Diário, além de, claro, representar uma opção a mais no mercado de trabalho. E no fim... Não sei se foi bom mas durou pouco ou se durou pouco mas foi bom, depende da história de cada um. E, Má, aquela lá me parece ser, sim, a Sirlene. Pra não falar do Mílton "Pipoca" Frungillo, que está lá no fundo.

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    1. Imaculada e Monica: Sim, é a Sirlene Nogueira que está conversando com o Caio Blinder. Não, não é Milton "Pipoca" Frungillo lá no fundo. Acho que ele nem chegou a trabalhar no JH.

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  4. Excelente crônica. Eu vi o auge e o fim do JH mas não sabia o porquê de sua extinção. Foi muito interessante acompanhar a sua narrativa e saber dos meandros do jornal. Realmente há decisões cruciais que precisam ser tomadas. Ficar no meio termo é "água morna" que não agrada a ninguém, a não ser os covardes e acomodados. E lembre-se que Campinas há muito é a terra da oposição, que vai contra os poderes estabelecidos em outros níveis (federal e estadual). Obrigada por partilhar uma história que também conta a história de Campinas.

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  5. Oi, Edmilson, valeu por matar a saudade de um tempo que agora já não sei mais se foi besta ou bacana, mas que afinal foi vivido, e, em certos aspectos, muito bem vividos - o aspecto do relacionamento humano, por exemplo, mercadoria rara nos dias que correm. O jornal, pelo que vimos depois (claro que não antecipamos), nasceu com os dias contados. Entre os muitos fatores: ignorância, soberba e, principalmente na fase final, já sem o Zé Hamiltom, falta de liderança na redação. Contudo deixou saudades e foi ocasião para bons econtros de almas que geraram amizades de toda uma vida. A nossa, por exemplo. Obrigado pela menção, forte abraço e sigamos em frente, inventando o futuro e desvelando, desmistificando, o passado.

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  6. Caro Ed, excelente lembrança da lambança empresarial que resultou num jornal de morte precoce, apesar de um quadro excepcional de jornalistas. Quero contribuir com a história. Não foi o irmão do reitor da Puccamp à época (hoje, Puc-Campinas), e, sim, o próprio, acompanhado de alguns amigos privilegiados. O assunto, pelo inusitado, repercutiu em todo o País. O Diário do Povo criou a marca "superalunos". Sobre o JH, nós, no Correião, ouvimos do Hermas de Oliveira Santos, que já conduzia a modernização e a instalação do parque gráfico na Norte-Sul: "vamos deixar como está. bater o nosso classificado, nenhum deles bate." Ele se referia ao Diário - que crescia em tiragem - e ao JH. Hermas constatou, cedo, que a tentativa do Quércia em ocupar espaço em Campinas atingiria pouco os concorrentes. Deu no que deu.

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